sábado, 20 de junho de 2015

Uma modinha assoprada pelo vento.

MINEIRA DO SUL DE MINAS.

Nesse dia que passei por Souza, caminhei 50Km. É uma distância que tira do sério qualquer andarilho. Começamos a sentir certo descontrole mental, como se fôssemos uma máquina autônoma a andar por conta própria, além da nossa vontade. E então a imaginação, aproveitando-se desse desconjunto, se solta. E a sanfona de sobe e desce de vales e montanhas da Mantiqueira vai-se encolhendo, a fazer mais profundos e inclinados grotas e paredões, que vão chegando mais perto, ameaçadores. Um cenário bom para uma máquina desvairada de corpo e mente. De repente, comecei a ouvir uma modinha. Um ritmo antigo, irreconhecível, mas do tempo do império, com certeza. Insistente, que me acompanhou o resto da viagem para, finalmente, me deixar em paz na noite em que pernoitei na barraca no alto do Mirantão. É que, debaixo de uma lua quase cheia a clarear o interior da barraca,  e em meio ao desconforto do frio, senti o fluxo de bissextas ondas, a roçar a minúscula e úmida  abóbada de lona. Saquei meu caderno e, somente com a claridade leitosa da noite, anotei estes precários versos que o vento assoprava pra modinha chata:

 “Trabalho sol e livro
Propaganda só na feira
Não vem não vai não liga
Fica até segunda-feira.

Trabalho só é livre
Quando feito na soleira
Ou vem ou vai ou fica
Não me mate de canseira.

Ontem andei de porre
Por aí dando bobeira
Trabalho só é limpo
Quando posto em carteira.

Já vem já vai estica
Descansa a semana inteira
Vai zen safa e sarada
Nessa vida sorrateira.

Aí tem já evem explica
Pensa que é seresteira:
“Qui mininu mais bunitu
Qui mi dá uma cansera.

Amém neném a morte
Amanhã é segunda-feira
Meu bem meu santo é forte
Tou na hora derradeira”.

A prosa o Rosa a arte
Saia só safa e mineira
Cê mi mata de saudade
Deixa de sê Mantiqueira.

Qui minina mais bunita
Água sol serra faceira
Chá café bolinho leite
Muita lenha na lareira.

Trabalho sol e livro
Não se prenda em besteira
Trabalho só é livre
Quando acaba a sexta-feira.

Cachorro e gato a noite
Chá café pão e lareira
Qui minina mais bunita
Safa sã mina mineira.”

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