sábado, 13 de junho de 2015

O ANDARILHO E OS HOTÉIS.

AS MISÉRIAS DOS HOTÉIS BARATOS.
Casa comercial restaurada no centro de Bom Jardim.

Evidente que nem cogito a ideia de ficar num hotel caro. Porque creio que o principal produto dos hotéis caros é a mordomia, enquanto o dos hotéis baratos é a estadia. E gosto de empregar meu dinheiro no que preciso. E quando estou caminhando, preciso à noite apenas de um lugar mínimo para descansar o corpo e um banheiro para limpar a pele e lavar a roupa. E isso qualquer hotel oferece.

Só que no hotel de Passos, o dono era um casal de mais de 80 anos, que estava sentado num sofá na recepção, como se fosse hóspede, a vigiar disfarçadamente o recepcionista e o negócio. Sabe aqueles empreendedores sem fé? Era. O recepcionista das 8h da noite era o mesmo das 5h da manhã do dia seguinte. Expediente de 24h. 366 dias por ano.. Quis receber adiantado. Precisei pedir a toalha. Que era ridícula. Fiquei com preguiça de pedir sabonete. Usei meu sabão de lavar roupa. Horrível a qualidade dos materiais usados na construção do quarto e do banheiro. Tudo ponta de estoque do standard do standard. E muita coisa funcionando em gambiarras. Fios, tomadas, espelhos, ligações hidráulicas...azulejos, torneiras, sanitários, chuveiros, portas. A miséria de apenas uma tomada elétrica, sendo que atualmente os viajantes levam vários gadgets elétricos que precisam recarregar durante a noite. Eu levava lanterna e celular. 

O café da manhã ficava pronto a partir das 4h30, me informou o funcionário. Desconfiei. É que era ao pé da letra. Era apenas um café na manhã, na garrafa térmica. Um café preto. Mas amarelo de fraco. Como todo café que encontrei pelo caminho. Isso é certo, porém não confirmado, porque achei um desaforo tão grande que sequer toquei na garrafa. Entrei direto na primeira padaria. 

Mas não deve ser por economia esse tradicional café fraco dos mineiros. O estado é o maior produtor de grãos. Ou por isso mesmo: eles conhecem e sentem na carne o custo de produzi-lo. Deve ser por isso que os italianos fazem o café mais caprichado do planeta. Eles nunca produziram um grão. Mas justiça seja feita: em Minas, o que o café tem de ruim, a pinga tem de boa.

No hotel de Capitólio a construção era boa, mas os lençóis eram curtos.  Bons, mas curtos. E algo que me irrita é lençol que descobre o colchão quando dormimos. Não é o lençol que fica por cima curto que me irrita, como vocês pensaram, mas o de forrar.

Interessante é que qualquer hotelzinho, agora, tem wi-fi. E televisão. O porteiro, orgulhoso,  nos passa logo o controle remoto, que deve ser devolvido na saída. Como se o fato de haver um aparelho vagabundo de TV no quarto fosse indício de alta categoria do estabelecimento.

A mesquinhez maior se dá nesses hotéis localizados em cidades maiores, tocados por empregados. Nos povoados e cidades menores, eles são operados pelos próprios donos, normalmente a mulher, cuja família mora no próprio estabelecimento. Como não costuma haver restaurantes no comércio dessas vilas, os hotéis oferecem também as refeições. Que costumam ficar dispostas em panelas sobre o fogão a lenha, em que nos servimos à vontade. Junto com os membros da família. Esse ambiente sadio compensa todas as mazelas.

O PROBLEMA DA HOSPEDAGEM DO ANDARILHO.

O andarilho é um sujeito exótico no ambiente. Na cidade ele é notado pelo uso do chapéu, do tênis sujo, do tamanho da mochila. Na estrada, ele é notado pelo fato de que ninguém mais anda a pé. Aliás, andar a pé, em todos os tempos, sempre foi sinal de miséria. Nos tempos pré-veículos automotores, usava-se o transporte animal para os mais ínfimos e banais deslocamentos. Desde os muares e equinos até as cadeirinhas levadas por escravos.

Mas o andarilho esbarra num dilema ao escolher o hotel. Quando ele entra num hotel barato, os pobres que ali estão o veem  como um rico diletante. Seus tênis são mizuno, a mochila é poderosa e técnica, as roupas são sintéticas e têm um quê estranho, pois são tecnológicas. E usam chapéu. Pobre agora só usa boné. Mesmo sendo de palha, chapéu agora é coisa de rico em férias. E para os pobres dessas paragens, férias é coisa de rico. Sendo que todo rico não precisa trabalhar. É vagabundo, portanto. Enfim, um rico excêntrico, sentimos o desprezo no olhar da clientela esparramada pelo hall.


Porém, se escolhemos um hotel caro, também sofremos os olhares desabonadores da freguesia. Desaprovam, deduzindo que vamos ter dificuldade pra comprar comida no final do mês. Os ricos que ali pululam pensam que somos pobretões querendo arrotar caviar. O tênis é de marca, mas molambento; a roupa é boa, mas suja e surrada. E o suor de andar a pé é evidente e cheira. E andar a pé é imperdoável coisa de pobre. E o volumoso rolo do isolante térmico que usamos como colchão nas noites de barraca, que vai amarrado à mochila por fora, indica que dormimos na rua e provavelmente somos ou estamos em processo de nos tornar sem-teto. E, enfim, em qualquer parte do mundo, quem tem dinheiro sobrando não gosta de frequentar os mesmos ambientes de quem tem dinheiro faltando. 

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