AS MISÉRIAS
DOS HOTÉIS BARATOS.
Casa comercial restaurada no centro de Bom Jardim. |
Evidente que
nem cogito a ideia de ficar num hotel caro. Porque creio que o principal
produto dos hotéis caros é a mordomia, enquanto o dos hotéis baratos é a
estadia. E gosto de empregar meu dinheiro no que preciso. E quando estou
caminhando, preciso à noite apenas de um lugar mínimo para descansar o corpo e
um banheiro para limpar a pele e lavar a roupa. E isso qualquer hotel oferece.
Só que no
hotel de Passos, o dono era um casal de mais de 80 anos, que estava sentado num
sofá na recepção, como se fosse hóspede, a vigiar disfarçadamente o recepcionista
e o negócio. Sabe aqueles empreendedores sem fé? Era. O recepcionista das 8h da
noite era o mesmo das 5h da manhã do dia seguinte. Expediente de 24h. 366 dias
por ano.. Quis receber adiantado. Precisei pedir a toalha. Que era ridícula.
Fiquei com preguiça de pedir sabonete. Usei meu sabão de lavar roupa. Horrível
a qualidade dos materiais usados na construção do quarto e do banheiro. Tudo
ponta de estoque do standard do standard. E muita coisa funcionando em
gambiarras. Fios, tomadas, espelhos, ligações hidráulicas...azulejos,
torneiras, sanitários, chuveiros, portas. A miséria de apenas uma tomada
elétrica, sendo que atualmente os viajantes levam vários gadgets elétricos que
precisam recarregar durante a noite. Eu levava lanterna e celular.
O café da manhã
ficava pronto a partir das 4h30, me informou o funcionário. Desconfiei. É que
era ao pé da letra. Era apenas um café na manhã, na garrafa térmica. Um café
preto. Mas amarelo de fraco. Como todo café que encontrei pelo caminho. Isso é
certo, porém não confirmado, porque achei um desaforo tão grande que sequer
toquei na garrafa. Entrei direto na primeira padaria.
Mas não deve ser por
economia esse tradicional café fraco dos mineiros. O estado é o maior produtor
de grãos. Ou por isso mesmo: eles conhecem e sentem na carne o custo de
produzi-lo. Deve ser por isso que os italianos fazem o café mais caprichado do
planeta. Eles nunca produziram um grão. Mas justiça seja feita: em Minas, o que
o café tem de ruim, a pinga tem de boa.
No hotel de
Capitólio a construção era boa, mas os lençóis eram curtos. Bons, mas curtos. E algo que me irrita é
lençol que descobre o colchão quando dormimos. Não é o lençol que fica por cima
curto que me irrita, como vocês pensaram, mas o de forrar.
Interessante
é que qualquer hotelzinho, agora, tem wi-fi. E televisão. O porteiro,
orgulhoso, nos passa logo o controle
remoto, que deve ser devolvido na saída. Como se o fato de haver um aparelho
vagabundo de TV no quarto fosse indício de alta categoria do estabelecimento.
A mesquinhez
maior se dá nesses hotéis localizados em cidades maiores, tocados por
empregados. Nos povoados e cidades menores, eles são operados pelos próprios
donos, normalmente a mulher, cuja família mora no próprio estabelecimento. Como
não costuma haver restaurantes no comércio dessas vilas, os hotéis oferecem
também as refeições. Que costumam ficar dispostas em panelas sobre o fogão a
lenha, em que nos servimos à vontade. Junto com os membros da família. Esse
ambiente sadio compensa todas as mazelas.
O PROBLEMA DA
HOSPEDAGEM DO ANDARILHO.
O andarilho
é um sujeito exótico no ambiente. Na cidade ele é notado pelo uso do chapéu, do
tênis sujo, do tamanho da mochila. Na estrada, ele é notado pelo fato de que
ninguém mais anda a pé. Aliás, andar a pé, em todos os tempos, sempre foi sinal
de miséria. Nos tempos pré-veículos automotores, usava-se o transporte animal
para os mais ínfimos e banais deslocamentos. Desde os muares e equinos até as
cadeirinhas levadas por escravos.
Mas o
andarilho esbarra num dilema ao escolher o hotel. Quando ele entra num hotel
barato, os pobres que ali estão o veem
como um rico diletante. Seus tênis são mizuno, a mochila é poderosa e
técnica, as roupas são sintéticas e têm um quê estranho, pois são tecnológicas.
E usam chapéu. Pobre agora só usa boné. Mesmo sendo de palha, chapéu agora é
coisa de rico em férias. E para os pobres dessas paragens, férias é coisa de
rico. Sendo que todo rico não precisa trabalhar. É vagabundo, portanto. Enfim,
um rico excêntrico, sentimos o desprezo no olhar da clientela esparramada pelo
hall.
Porém, se
escolhemos um hotel caro, também sofremos os olhares desabonadores da
freguesia. Desaprovam, deduzindo que vamos ter dificuldade pra comprar comida
no final do mês. Os ricos que ali pululam pensam que somos pobretões querendo
arrotar caviar. O tênis é de marca, mas molambento; a roupa é boa, mas suja e
surrada. E o suor de andar a pé é evidente e cheira. E andar a pé é imperdoável
coisa de pobre. E o volumoso rolo do isolante térmico que usamos como colchão
nas noites de barraca, que vai amarrado à mochila por fora, indica que dormimos
na rua e provavelmente somos ou estamos em processo de nos tornar sem-teto. E,
enfim, em qualquer parte do mundo, quem tem dinheiro sobrando não gosta de
frequentar os mesmos ambientes de quem tem dinheiro faltando.
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