Logo no
primeiro dia da caminhada, na rodovia entre Franca e Claraval, comecei a ouvir
um ganido incomum, que lembrava o canto da seriema. Então apontou do meio do capinzal
no acostamento um cachorrinho preto, com seu andar desengonçado e seu latido
agudo de filhote. Olhei em volta, nenhuma casa. Já saquei toda a história.
Conheço-a bem. Casa pobre de caipira, a cadela pariu uma ninhada, cada um mais
saudável que o outro, a casa já devidamente guardada por quatro adultos. O
matuto falou com os vizinhos, avisou parentes distantes, acho que até anunciou
na rádio, conseguiu destinar cinco, mas esse último não teve jeito. Esperou
quase um mês. Ninguém. Não havia espaço para mais um cachorro no lar. Foram de
carro até o local mais ermo da estrada e soltaram-no lá. Nem boa sorte
desejaram, porque, afinal, não era gente... e o mundo urge, se cochilarmos as
coisas práticas passam por cima.
O cãozinho
passou a me seguir, bem junto de mim, como a dizer que não admitia minha
rejeição, porque eu era sua única esperança. Ele havia chegado ao mundo há
pouco e dependia de mim para sobreviver. É comum cães sem dono acompanharem
andarilhos por longos trechos, até se cansarem daquela mesmice humana de andar
sem parar para cheirar nada. Mas filhotes, e ainda implorando com todos seus
recursos expressivos para não desistirmos dele, foi a primeira vez que me
ocorreu. Tentei alguns recursos para fazer o cachorrinho desistir de mim. Bati
o pé, gritei, fiz cara feia, ameacei com vara, ameacei chutar e nada. Ele
estava realmente desesperado e quanto mais eu o repelia, mais ele se apegava a
mim. Cogitei a ideia de levá-lo a alguma casa próxima e deixá-lo com o morador.
Mas conheço esse povo, sei qual seria a resposta. Sendo que levar o cachorrinho
comigo estava fora de cogitação porque, além de abortar a minha caminhada,
ainda me obrigaria a viajar 500Km de ônibus com ele, coisa que me parece não
ser permitido. E realmente não sou adepto de animais em nossas residências
urbanas.
Para
enrijecer meu coração, passei a considerar que aquele cachorrinho poderia
crescer sem dono. E isso seria uma felicidade. Porque indubitavelmente é triste
a vida de cachorro com dono. Sempre no mesmo lugar, comendo a mesma comida,
usando uma incômoda coleira, e sendo
espezinhado pelo dono a toda hora. Recebendo cafuné da mesma mão. Sendo levado
ao veterinário e chamado de Joaquim ou Pierre. Isso quando não fica preso a uma
corrente ou quando não mora em apartamento. Ou não tem um dono ranzinza. Ou quando não precisa brincar com uma criança. E só podendo ver a cachorrinha da
vizinha de longe. Cagando e sofrendo o desaforo de ver o dono
imediatamente recolher suas fezes.
Um cachorro
sem dono corre muitos riscos, é certo. É baixa a probabilidade dele chegar à
vida adulta. Ainda mais quando abandonado filhote à beira de uma rodovia. Mas,
se ele consegue sobreviver, atinge a sorte grande. Tem uma vida ativa pela
frente. É comida farta e variada que ele mesmo vai caçar, muitas cadelas vadias
e o mundo como quintal. E jamais será chamado por nome de animal de outra
espécie. É caso em que vale o risco à segurança. Saí correndo até o cachorrinho
me perder de vista. Sou um irresponsável sentimental, porque cativei e fugi?
Que nada! Fui apenas a bola da vez. O primeiro que passou em sua fase carente. Um
cachorrão que nos acompanha vai como companheiro, independente – um igual. A
amizade é desfeita à primeira contrariedade. Mas o filhote queria um dono. E isso
eu não estava preparado pra ser.
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