A SANTA
MISSA DOMINGUEIRA.
Igreja ao lado da estrada paralela ao Rio Grande, depois de Santo Antônio do RG. |
Sendo que
chego na pousada em Carrancas e a Mica, a dona, me diz que vai à missa das 7,
logo mais. É domingo. Tomo banho, janto, e vou espiar a praça. Pouco antes das
7 da noite. Os alto-falantes das torres da igreja despejam música religiosa no
público e no privado, numa potência que atravessa o urbano e se esvai pelo
rural, nivelando por baixo todos os cidadãos crentes e descrentes. Uma
musiquinha leve e doce e mole, dessas que dá vontade cantar ao ouvir pela
primeira vez. Me vem à mente o romance 1984, do Orwell. Dos oito cantos da
cidade, cidadãos e cidadãs - adolescentes ou velhos, em grupos ou sozinhos,
casais com filhos pequenos ou idosos de mãos dadas, rapazes, moças -,
dirigem-se à igreja em roupas domingueiras, como as abelhas voam para as colmeias.
E eu na esquina, secando, comovido. O
mundo ainda vai longe, assim, com tanta gente simples e esperançosa e bem
comportada. Constato em mim nenhuma vontade de me irmanar ao rebanho. Que não
me esforço para herdar o reino do céu. Mas volto pra pousada e durmo tranquilo,
porque, alheio, aposto no milagre. Sou homem de boa vontade.
OS BADALOS
DE CARRANCAS.
Os sinos das
torres da igreja de Carrancas badalam de 15 em 15 minutos, acionados pelo
relógio. 24 horas por dia. Sim, 11h15 da noite, 2h da manhã... Um acorde a cada
quarto de hora, acompanhado de badaladas nas horas cheias, onze horas, onze
badaladas. E as badaladas não são metálicas, são eletrônicas. Difundem-se pelos alto-falantes. E a igreja
não tem torres e creio que não há relógio algum à vista. É um relógio-ouvido. São
duas torres imaginárias. Na cidade todos devem ter ótima saúde auditiva, se
esta depender do silêncio da noite. É que no quarto da pousada eu só ouvia meus
grilos particulares. E um acorde completo para as horas cheias e meio para as
quebradas. Som de piano. Eletrônico. 32 vezes durante as sagradas 8h de sono. A
surdez tem suas vantagens... Nesta cidade o padre ainda deve regular as
carícias amorosas entre os fiéis na praça. E os descrentes ainda devem ser
comidos por fogueiras. Descrentes e não céticos. Aqui nesta cidade a palavra
cético não tem cabimento.
EROSÃO, TERRAÇOS E PLANTIO EM NÍVEL
Vou andando e observando a faina agrícola, agricultor de nascença que sou e alguma formação técnica que tenho. Me impressionaram pela qualidade as lavouras de café de Ibiraci e Boa Esperança e as de milho e sorgo de Pratápolis. Mas eles não plantam em nível nem constroem terraços para evitar que as águas das chuvas escorram pelo terreno e provoquem erosão do solo, práticas elementares em São Paulo. Não deve ser por ignorância ou pobreza, creio, essas lavouras citadas são altamente mecanizadas e tecnicamente cuidadas. Deve haver algum outro motivo técnico que desconheço. Até a altura de Lavras a terra é bastante argilosa e, por isso, mais resistente às enxurradas. Mas à medida que o solo vai-se tornando mais pobre em argila, que funciona como cimento, vemos o surgimento das voçorocas. Um fazendeiro de São Vicente me disse que isso se deve à burocracia da fiscalização ambiental, que exige complicadas licenças para se introduzir na fazenda um trator de esteiras. O trator de esteiras é controlado, como a moto-serra e a dinamite: ele constrói terraços para evitar a erosão, mas pode derrubar e enterrar árvores sem deixar pista.
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