segunda-feira, 29 de junho de 2015

1/7 - Primeira parte (de sete): Itens 1 a 5.

Rio das Canoas, entre Franca, SP, e Claraval, MG. É a divisa entre SP e MG.

VIAGEM À NASCENTE DO RIO GRANDE

ÍNDICE

1-      INTRODUÇÃO,  2
2-      SUJEITO E OBJETO, 3
3-      RESUMO, 3
4-      FRANCA, 5
5-      BAIANOS COLHEM CAFÉ EM IBIRACI, 6
6-      EM IBIRACI, TODO MUNDO É NÉRSO, 6
7-      AO SUL DO RIO GRANDE, TODO MUNDO É PAULISTA, 7
8-      A ALIMENTAÇÃO TÍPICA DO ANDARILHO, 7
9-      O MEU RIO GRANDE, 8
10-  AS MISÉRIAS DOS HOTÉIS BARATOS, 8
11-  O PROBLEMA DA HOSPEDAGEM DO ANDARILHO, 9
12-  ESTRADAS EM TERRA OU ASFALTADAS?, 10
13-  AS ESTRADAS VICINAIS, 10
14-  MATA-MOTO, 11
15-  SORTE, COINCIDÊNCIAS E OUTROS EVENTOS ALEATÓRIOS, 12
16-  CACHORROS, 12
17-  FILHOTE ABANDONADO (CACHORRO SEM DONO), 13
18-  GUAPÉ, 14
19-  MUNDO VÉIO SEM TRANCA, 15
20-  ROMPENDO CHÃO, 15
21-  MORTES NA ESTRADA: CRUZES, 16
22-  EROSÃO, TERRAÇOS E PLANTIO EM NÍVEL, 16
23-  A SANTA MISSA DOMINGUEIRA, 17
24-  OS BADALOS DE CARRANCAS, 17
25-  FAZENDA ABANDONADA, 17
26-  A ARTE DE PESCAR CARONA, 19
27-  PIEDADE AO PÃO DE PIEDADE, 20
28-  ZÉ MANOEL DE SANTANA, 20
29-  AZEITE. A TRAVESSIA DE CANOA, 21
30-  CASCATA & SERIEMA: O SOM DAS ESTRADAS DO SUL DE MINAS, 22
31-  SOUSA, 22
32-  MINEIRA DO SUL DE MINAS, 23
33-  UMA FERROVIA DO IMPÉRIO. INACABADA, 25
34-  A FERROVIA QUE TRANSPORTA MINAS PARA O JAPÃO, 25
35-  O DESTINO DE RIOS E HOMENS, 26
36-  MADEIRA EM BOM JARDIM, 26
37-  LIBERDADE, MG, 27
38-  LARANJA MADURA NA BEIRA DA ESTRADA, 28
39-  FOTOGRAFIA, 28
40-  VAI LÁ UM ANDARILHO, 28
41-  O RIO GRANDE, 29
42-  ANGU & CANJIQUINHA, 30
43-  O RIO QUE INVERTEU SEU CURSO: PIUMHI, 31
44-  ASSOMBRAÇÃO, 31
45-  FOZES E NASCENTES, 32
46-  TALVEGUE. A PALAVRA-CHAVE PARA SE CHEGAR À NASCENTE DE UM RIO, 33
47-  AFINAL, A NASCENTE DO RIO GRANDE, 35.

1 - INTRODUÇÃO.

Os assuntos e as palavras estão por toda parte. Nós e o alfabeto é que somos limitados. Mas enquanto o alfabeto permite uma infinidade de palavras, nós vivemos a martelar sobre o mesmo assunto. Uns só falam de futebol, outros de religião. Alguns só pensam em corrida e outros só em política partidária. É um que só fala da empresa em que trabalha, é outro que vive para a literatura, e um outro cuja vida consiste em juntar dinheiro. E há aqueles vários que só falam e escrevem abobrinha e abusam da arte de cortar e colar. Mas há um tipo especial. É aquele que pensa muito e ricamente, mas guarda tudo pra si. Nas redes sociais, quando ele está, é só pra acompanhar os amigos e desejar feliz aniversário. Esse é o que mais me preocupa. É alta a probabilidade de estourar-lhe uma artéria vital precocemente.
E Deus e o Diabo também estão por toda parte. Em nosso corpo. Com nossa complexa combinação de hormônios e enzimas a regular nervos e músculos e tendões e cartilagens. E tecidos esponjosos... E ossos que se vão descalcificando. E articulações que vão perdendo a graxa. E banhas. E em nossa mente. Em saudades insatisfeitas. Em remorsos insepultos. Em projetos abandonados. Em mágoas e frustrações. O Diabo nos ataca nos silêncios de alta noite, quando nos lembra da linearidade dos tempos a impossibilitar qualquer retorno, qualquer conserto. Quando a grandiosidade do cosmo cai sobre nós e nos conscientiza momentaneamente da nossa pequenez. E então bate o desespero.
Mas o corpo e a mente podem se comunicar com a natureza e cultivar o campo agreste em que vivemos. Mitigar dores e desesperanças. O corpo e a mente e a natureza estão por toda parte, nas estradas vicinais de Minas, no ar tropical e úmido de beira rio do sul de Minas Gerais. E assuntos, aguardando garimpeiros, nas extensas margens do Rio Grande.

2 - SUJEITO E OBJETO.

O Rio Grande banha a aldeia em que nasci, lá no norte do Estado de São Paulo. Guaraci. Depois escrevo mais sobre esse rio. Por enquanto, lembro isso apenas para justificar meu roteiro de viagem. Seguir rio abaixo ou seguir rio acima? Seguir o rio. Mas 1360 Km era muito para o tamanho da minha necessidade. Porque é isso que tem da sua nascente até seu encontro com o Rio Paranaíba, pra formar o Rio Paraná, lá no vértice dos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Metade disso era o suficiente para meu gasto.
Foi assim que, em 19 de maio de 2015, embarquei num ônibus no Terminal Rodoviário do Tietê e desci em Franca por volta do meio dia. Extremo nordeste do estado de S.Paulo, próximo ao ponto em que o rio passa a constituir a divisa com Minas, resolvi subir. Poderia descer, mas resolvi subir. Território menos explorado por empresas agrícolas, por causa do relevo mais acidentado. Menos e menores cidades. Fauna e flora menos dilapidadas. E menos represas. Mais água corrente, mais rio de verdade. Porque o rio, em seu médio e baixo curso, é uma sucessão de lagos artificiais promovidos por barragens construídas por Furnas, CEMIG, CESP... para geração de hidreletricidade. Boa parte da energia elétrica consumida no sudeste vem das águas do Rio Grande. E tenho tendências radicais. Preocupa-me o âmago das coisas. Por isso, nada mais lógico que ir à nascente do rio.
Sem um propósito, ninguém sai do lugar. Não creio na existência do flâneur. Quem sai por aí sem destino é porque não tem outra alternativa e quase sempre está mentalmente debilitado. Um cidadão comum carece de um destino. Um sujeito precisa de um objeto. Não tem nada mais sem graça do que um verbo intransitivo. Alguns caminham com o objetivo de chegar a Santiago de Compostela, outros de chegar a Meca. No Brasil, muitos caminham para chegar a Aparecida do Norte, ao Bom Jesus de Pirapora, ao Juazeiro do Padre Cícero. Há quem caminhe para chegar ao Pico da Bandeira ou ao ponto mais alto da Mantiqueira. Há quem dê dez voltas no quarteirão, quem caminhe uma hora no parque. Por duas semanas, caminhei em direção à nascente do Rio Grande. Para mim, era um destino suficiente. Mas, para os apressados, vamos ao resumo da viagem. Em seguida, virão as crônicas inspiradas por locais ou pessoas ou situações vividas durante o caminho.

3 - RESUMO.

Em 19 de maio de 2015, embarquei num ônibus no Terminal Rodoviário do Tietê às 6h da manhã e desembarquei em Franca SP ao meio dia. Almocei num Quilo e iniciei a caminhada em direção a Claraval MG, a 16 Km. Atravessei o Rio das Canoas, que divide SP e MG e caminhei mais 6Km em direção a Ibiraci MG. Escureceu, armei a barraca num cafezal. Nesse dia caminhei 22 Km, sendo 16 em asfalto e 6 em terra.

Em 20.05.15, desarmei a barraca com chuva fraca, ainda escuro. Caminhei quase 1h antes de clarear, usando a lanterna. Peguei uma bifurcação errada e fui dar num curral, próximo à cumeeira da serra. Voltei, larguei meu mapa e liguei meu instinto e, 8Km depois, encontrei o caminho. Cheguei a Ibiraci por volta das 13h. Almocei um PF e peguei um ônibus para Passos, passando por Cássia, Pratápolis e Itaú de Minas. Em Passos, me hospedei num hotel barato, próximo ao centro. Andei 36 Km em estradas de terra.

Em 21 de maio, caminhei de Passos ao trevo de Furnas, na MG-050, passando por São João Batista do Gloria e atravessando pela primeira vez o Rio Grande em enorme ponte. Caminhei 43 Km nesse dia, sendo 23 em rodovias asfaltadas e 20 em estrada de terra. Acabei de chegar a Capitólio de ônibus, onde me hospedei num hotel simples na zona urbana.

No dia 22 de maio, andei 32 Km de Capitólio a Guapé, sendo 10 Km em asfalto. Atravessei o lago de Furnas em balsa. Em Guapé, peguei uma carona até Ilicínea, onde embarquei num ônibus até Boa Esperança. Dormi num hotelzinho ao lado da  rodoviária.

Em 23 de maio, andei 40Km entre Boa Esperança e Nepomuceno, passando por Coqueiral, Frei Eutáquio e Trumbuca, sendo 5Km em rodovia. De Nepomuceno a Lavras fui de ônibus. Fiquei num hotel simples no centro.

Em 24 de maio,  fui de Lavras até a ponte do Rio Grande, em Itutinga, de ônibus. Na ponte, iniciei a caminhada, passando por Itutinga e indo até Carrancas, por estrada asfaltada. 30 Km. Em Carrancas, dormi numa pousada simples no centro.

No dia 25, fui em direção a São Vicente de Minas. Após andar 20Km, um motorista ofereceu carona e eu aceitei, até uma fazenda próxima. Retomei a caminhada. Após 7Km, outro motorista parou e ofereceu carona até S.Vicente. Aceitei. Cheguei ao destino ao meio dia, após caminhar 27Km. Dali a Madre de Deus de Minas também fui de carona e, novamente de carona(sendo estas duas últimas pedidas), cheguei a Piedade do Rio Grande, onde o rio vira para sudoeste. Ali dormi num hotel urbano.

Em 26 de maio, caminhei de Piedade a Santana do Garambéu, passando por Santo Antônio do Porto. Nesse dia, andei  26Km, passando por 4Km de estrada abandonada e atravessando o Rio Grande de canoa. Dormi num hotel em Santana.

Em 27 de maio, andei 50 Km, de Santana a Bom Jardim de Minas, passando pelo povoado de Souza do Rio Grande. Os últimos 10Km do percurso, fui de carona, oferecida espontaneamente. Nesse dia, andei perdido por 4Km.

Em 28 de maio, fui de Bom Jardim a Liberdade. Andei 22 Km e me hospedei no Hotel Central.

Em 29 de maio, fui de Liberdade ao distrito de Santo Antônio do Rio Grande, sem passar pela zona urbana de Bocaina de Minas. Andei 32 Km, sendo 18 em asfalto. Em Santo Antônio, me hospedei numa pousada simples no povoado.

Finalmente, no dia 30, subi a montanha até a nascente do Rio Grande. Caminhei 20Km pela estrada paralela ao rio, saindo de 1200m de altitude e chegando a 1600, no começo da estradinha-trilha. Daí até o alto do Mirantão, a 2200m de altitude, gastei 2,5h. Na parte mais alta, a trilha bem batida não é de gente, mas de gado, o que faz grande diferença para o explorador (a lógica do gado é outra). Passei a noite acampado num gramado a 2000m de altitude, ao lado da grota funda e densamente florestada onde começa o rio.

No dia 31 de maio, desmontei o acampamento e desci a montanha embaixo de chuva fina. A meio do caminho para Santo Antônio, peguei um atalho para o distrito de Mirantão, passando por um trecho de 2Km de trilha nesse percurso. Após caminhar 25Km no dia, cheguei ao povoado, onde me hospedei numa pousada simples.

No dia 1º de junho, saí do povoado de Mirantão às 11h, de carona no ônibus escolar que leva os estudantes para Visconde de Mauá, distrito de Resende, RJ. Em Mauá, peguei um ônibus para Resende, onde peguei outro para São Paulo. Cheguei às 19horas. Nenhum problema, nenhuma lesão adquirida no período. Nem os lábios rachados ou doloridos, que costumam ocorrer nessas caminhadas. Acho que por causa do ar úmido de beira rio.

Totalizando: 405 Km de caminhada, a uma média de 31Km por dia. Destes, 303Km foram em estradas vicinais de terra. Dos 102 Km andados em asfalto, metade era de estradas locais, pouco movimentadas. Uma distância equivalente à caminhada devo ter viajado de carona ou de ônibus.

4 - FRANCA.

Franca é uma cidade grande, que me lembrava fábrica de calçados e time de basquete. Porque lá sempre teve um dos melhores times de basquete do país e há muitas fábricas de calçados. Era hora do almoço, comecei a procurar, ao mesmo tempo, a saída para Claraval – município vizinho do outro lado da divisa com Minas – e um lugar para almoçar. Comércio moderno e variado,  a toda hora apresentava-se a mim um restaurante por quilo, na Av. Presidente Vargas. Não tem nada mais simpático a um viajante, numa cidade estranha, do que encontrar o que precisa. Eu precisava comer e podia escolher as diversas opções que se apresentavam. Almocei. O som ambiente do local era música caipira. Em Franca, e nas diversas cidades que vim a conhecer em seguida, o trabalhador, em sua hora de almoço, come ouvindo música caipira.  No sul de Minas e no norte de São Paulo a música caipira está em toda parte. Segui pela avenida, que seu prolongamento era a rodovia que atravessava o Rio das
Canoas, divisa entre os estados, para chegar a Claraval. Não sem antes me completar de outro item fundamental: um chapéu. Um armazém de insumos agrícolas, ferragens, louças, etc. E chapéus de palha de vários formatos e preços. Tudo que precisava do comércio local, após me alimentar. Um chapéu de palha de folha dupla dos bão, que me protegeu do sol durante toda a viagem. Com tamanho oportunismo, só podia me parecer simpática a cidade. E, ainda, uma ciclovia vermelha enfeitava a avenida.

5 - BAIANOS COLHEM CAFÉ EM IBIRACI.

Por isso não achei vaga no hotel barato da cidade. Eles vêm, ficam de maio a setembro, trabalham na colheita do café, depois acaba o serviço. Aí são obrigados a voltar pra Bahia. Retornam ano seguinte. Alguns ficam presos ao fazendeiro, por dívidas, e têm de trabalhar a safra inteira na mesma fazenda, não podem procurar quem paga mais. Muitos moram em casas antes abandonadas, precárias. Ganham  por tarefa. Por isso trabalham como loucos. Têm de ganhar em 4 meses o que comem em doze. R$8,00 por balaio de 70 litros de café colhido. Escravos. Estendem um pano sob o pé de café e com as mãos ou varas, derrubam sobre ele os grãos. Recolhem o pano, retiram as impurezas como folhas e galhos secos, e despejam num saco de estopa ou algodão os grãos limpos. Ao final do dia, o fazendeiro passa com a carreta e o balaio,  para recolher o produto e medir a produtividade de cada trabalhador. Os sacos são despejados nos balaios e deles para dentro da carreta graneleira.
A maior parte da produção é colhida por máquinas. Os trabalhadores são necessários apenas para colher nos pés onde a colhedeira não pode ir, como aqueles plantados em terrenos muito íngremes, nas encostas dos morros, ou onde não há espaço de manobra.
Os grãos que caem antes da colheita são colhidos pela chamada barreção (do verbo “barrer”, aquilo que se faz com a bassoura, seu Vurro!). No café, ou se faz com o rastelo e a peneira ou com máquinas. Há uma máquina que vai assoprando os grãos para o meio da rua e outra que vai sugando.

Ibiraci, a 800m de altitude em planaltos ondulados de terra massapé, entremeados de pirambeiras e algumas serras, é terra boa pra café. Mas no boteco, ele é amarelo de fraco.

4 comentários:

  1. Meu amigo eu sou de Fronteira Mg onde o rio grande passa... sempre tive curiosidade sobre onde nasce o rio grande quando ia pescar ficava pensando e hoje finalmente resolvi pesquisar sobre isso e achei seu blog... adorei sua viagem nós tivemos a msma curiosidade. Agora me conta melhor como é essa nascente? Vc viu a agua brotar da terra lá em cima da montanha? Eu tento imaginar como é mas nao sei se é exatamente como penso... vc teria alguma foto da nascente? Se tiver poderia postar? Um grande abraço

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    1. vi um merejo, que formava um barreiro, mas a água não escorria, creio que porque era época de seca e também porque não havia mata protetora em volta.

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  2. Essa noite vou dormir pensando como seria essa "gruta funda e densamente florestada" que vc descreveu... hehe

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    1. são vários rasgos na encosta da montanha, formando pequenos vales (que chamo de grutas). Em cada vale, uma nascente. Todos devidamente protegidos pela mata, que ali o acesso é muito difícil.

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