A última noite, no alto do Mirantão, Serra da Mantiqueira, ao lado da nascente do Rio Grande. |
43 - O RIO QUE INVERTEU SEU CURSO: PIUMHI.
A inversão do curso do Rio Piumhi ou Piui é uma realidade
impressionante, que demonstra a grandiosidade da intervenção humana na natureza
quando da construção da barragem no Rio Grande que resultou no Lago de
Furnas. O rio Piui nasce na Serra da
Canastra e desaguava no Rio Grande, logo após passar por uma região pantanosa.
Com a construção da represa de Furnas, o Piui foi desviado para o São Francisco.
Isso para que a água do lago não vazasse para o vale do Rio São Francisco pelo
leito do Piui e também não inundasse a área urbana de Capitólio. E também para
possibilitar um nível máximo mais elevado para o lago da hidrelétrica. Para
isso foi construído um dique próximo à cidade e canais redirecionando o rio. A
construção dos canais drenou o pântano e, se por um lado permitiu a
incorporação de extensa área à produção agrícola, pelo enxugamento do brejo, por
outro exterminou o ecossistema primitivo da região úmida. Mas a informação que
surpreende, do ponto de vista dos possíveis danos ambientais da intervenção, nenhum
leigo imagina: ela interligou o ecossistema aquático das duas grandes bacias
hidrográficas. Peixes e demais organismos aquáticos exclusivos da bacia do Rio
Grande – que habitavam o Piui - foram
introduzidos na bacia do Rio São Francisco. Isso talvez tenha provocado graves
desequilíbrios na fauna aquática e ribeirinha da bacia do São Francisco, como a
invasão ou extinção de espécies e seus respectivos parceiros na cadeia
alimentar. Mas, enfim, o que importava era a movimentação das turbinas e a
geração de energia elétrica.
44 - ASSOMBRAÇÃO.
Aqui na artificial luminosidade do meu lar, recordo de certos lugares
em que passei e fico pasmo de não ter me encontrado com nenhum fantasma. Acho
que só não vi porque passei fora do horário. Ou porque estava ocupado demais
com coisas terrenas. Mas teria visto se tivesse passado a pé na capela do
Espírito Santo, a caminho de São Vicente. Passei de carro e apenas vislumbrei a
quantidade de embalagens e outros lixos deixados pela festa de arromba da
véspera, em homenagem ao Divino. Ao lado do Buraco do Inferno, antes de Bom
Jardim, também passei de carro. Ali eu passaria andando, já no escuro, caso não
tivesse pegado carona. E teria visto lá embaixo a luzinha da brasa do cachimbo
do velho ancestral a pitar enquanto alisava uma jaguatirica. E os discos
voadores no topo do Mirantão? Ali não é longe de Varginha (lembram do ET de
Varginha?) e o terreno bem regular e limpo em que passei a noite, a se destacar
no pontilhado de cumes da Mantiqueira, certamente é passagem de alienígenas,
que se sentem seguros longe das vistas de qualquer terráqueo.
Talvez eu não tenha visto porque não estava devidamente avisado. O
andarilho de longas distâncias, por dias a fio, conversa pouco com o povo
local. Não tem a paciência de encostar a pança no balcão de uma venda de vila e
aguardar a dissipação da poeira provocada por sua inusitada aparição. E tomar
uma cachaça desembaraçante com aquele velho ensimesmado a enrolar um palheiro
que o espia de esguelho. E então ser avisado de locais e horários em que se
veem luzes implausíveis e se ouvem gemidos de nenhuma garganta. Porque todas as
almas penadas de noivas e boiadeiros e crianças e alguns santos menos ortodoxos
que pululam em horas impróprias por aqueles sertões saem da literatura oral
desses velhos que nunca ultrapassaram um raio de cinquenta quilômetros de onde
nasceram.
E ainda aqui, na tela do desktop, nas virtuais redes de amigos de
variados jargões, sou bombardeado por crendices pós-modernas. Não há mais
velhos. Os velhos estão mortos. Há jovens que nunca arredaram pé do próprio
quarto em que cresceram, a cortar e colar mulas-sem-cabeça reais registradas em
milhares de pixels. Convenientes caiporas a informar e contrainformar produtos
comerciais em disputa de mercado: se
você cozinhar assim e embalar assado, terá câncer; se você usar aquilo e
desusar isso, terá vida longa; manga com pepino é morte certa; berinjela faz
bem; comer à noite..., um copo de vinho todo dia..., cenoura é bom pra tosse...
Pesquisa realizada pela Universidade de Godmyliv descobriu que... Use sempre
produtos desse selo, daquela origem, siga os 14 passos para o sucesso e reze,
porque o fim está próximo.
Cientistas populistas substituem velhos sábios, palestrantes
substituem pastores e psicanalistas cobram para conversar com gente que só
interage virtualmente. Ninguém mais reza, mas cada vez mais somos avisados por
novos profetas. Nunca seguimos tantos dogmas e toda semana se anuncia um
apocalipse. É uma assombração atrás da outra a nos dispersar. Então começo a pensar
na próxima fuga.
45 - FOZES E NASCENTES.
Fozes. Esquisito esse plural, não? Venho seguindo esse rio, pretendo
desvendar sua nascente. Não seria capricho demais? Curiosidade demais? Falta do
quê fazer demais? Obsessão patológica, com alguma punição ou decepção ao final,
como costuma acontecer com quem segue uma mulher bonita até desvendar sua
nudez? Faz sentido essa persistência em presenciar os primeiros respingos ou os
suspiros finais de uma entidade viva? Porque o rio é uma entidade com
nascimento, vida e morte.
E o nascimento de um rio é um evento natural assim tão simples, como
pretendo? Em regiões serranas a água brota da terra com muita facilidade. Mas
quase sempre em buracos fundos e quase inacessíveis por causa da densa
vegetação. É o lençol freático que aflora por causa de abruptos desníveis
da exposta rocha viva. A camada de terra
funciona como selante da superfície. Na montanha, as águas subterrâneas que têm
as rochas como condutos, de repente, espiam o céu, sem qualquer barro a
obsedar-lhes. É a mina. Que pode ser tão tênue e apenas umedecer e formar um
brejo. Ou pode jorrar inequívoca, de dentro do oco da fenda da pedra.
E qual mina ou merejo é a nascente do rio, se há uma infinidade delas
nessas úmidas cabeceiras? Ora, é simples: é aquela em que um agente turístico
afixou uma placa! É um dilema que não existe para os rios formados por
descongelamento de geleiras, como o Amazonas. O gelo está ali esparramado na
montanha toda, vai derretendo, todos sabem, a água escorre, forma o rio. Enquanto
a água que brota da rocha é desconhecida. Sua vida pregressa é um mistério,
embora limpa, sem dúvida... Mas há polêmicas mais grossas. Como a de que a
nascente do São Francisco não é aquela da Serra da Canastra, mas a do Rio Pará
(ou até mesmo do Paraopeba, vizinho), lá perto de Barbacena, na Serra das
Vertentes(técnicos da CODEVASF falam em nascente histórica e nascente
geográfica e dizem que esta é a do Rio Samburá, no município de Medeiros MG
cfe. Anais XI SBSR, Belo Horizonte, Brasil, 05-120 abril 2003 p. 393-400).
E quem foi que disse que o
grande rio que se encontra com o Grande para formar o Paraná nasce ali do outro
lado da Serra da Canastra? Pelo que ouvi e vi e li, não existe polêmica sobre a
nascente do Rio Paranaíba. Estou iniciando a polêmica agora. Sua nascente não
seria aquela do Rio Pipiripau, a nordeste de Brasília que, segundo os mapas,
forma o São Bartolomeu - que deságua no Corumbá -, muito mais distante? Ou a
própria nascente do Rio Corumbá, lá no pé da Serra dos Pireneus, no fundão de
Goiás? (efetivamente, os lambaris de Buenos Aires poderiam nadar até o Lago
Paranoá, não fossem tantas barragens e cachoeiras). Uma canetada equivocada de
um cartógrafo desatento, no tempo em que os mapas eram traçados com base em
informações de viajantes, e eis tantos interesses transferidos daqui pr’ali, se
é que alguém além de mim se interessa por nascente de rio...
Determinar a foz seria mais simples. Os grandes rios costumam desaguar
no mar, suas fozes são enormes, estão ali pra todo mundo ver...ops! A coisa não
é tão simples. Vai ver a foz do Nilo, naquele enorme e intrincado delta. E a
foz do Amazonas, que pode ser mais pra lá ou mais pra cá, dependendo da força
das águas do mar e do rio quando se encontram. E há as fozes que foram mortas
pelo homem. Como a foz do Rio Grande, submersa pelo lago da barragem de Ilha
Solteira. Mas há rios que não tem foz. A
água não deságua em lugar algum. É o caso do Rio Mendoza, na Argentina. O rio
nasce do degelo dos Andes, ao pé do Aconcágua, e desce para a planície árida,
banha todas as ruas da capital da província, através de canais artificiais, e
vai irrigando parreirais, hortas e quintais até se exaurir no nada. Nonada...
46 - TALVEGUE. A PALAVRA-CHAVE PARA SE CHEGAR À NASCENTE DE UM RIO.
De jusante para montantes, siga o talvegue mais fundo... Talvegue.
Gosto dessa palavra. Os engenheiros, vez ou outra, escrevem bonito. Pra
compensar feiuras como montante(nascente) e jusante(foz). Talvegue é a parte
mais funda do vale. É a linha onde acaba a descida de um lado e começa a subida
do outro lado do vale. Como, no fundo do vale, normalmente corre um rio, o
talvegue é a parte mais funda do rio.
Pois o talvegue é a palavra-chave para se determinar a nascente de um
rio. Como se sabe, um rio se acaba quando deságua num outro maior ou num lago
ou no mar (nunca canso de lembrar o caso do Rio Mendoza, na Argentina, que se
vai exaurindo até se acabar por conta própria, por falta d’água). Por outro
lado, o rio, até sua foz, recebe as águas de outros rios menores. Para se determinar
a nascente de um rio, devemos, a partir de sua foz, seguir o curso inverso,
sempre pelo rio principal, até sua nascente.
O problema é saber qual é o rio principal e qual é o afluente, em
casos de rios de magnitude semelhante. Vários critérios poderiam ser adotados.
O rio mais extenso daquele ponto até a respectiva nascente; o rio que drena a
maior bacia hidrográfica; o rio mais largo; o rio com maior vazão naquele
ponto. Ou o rio de menor cota de talvegue. É o critério adotado pelo IBGE. Ou
seja, o rio mais fundo. Tem lógica. Um exemplo é o encontro entre os rios São
Francisco e Samburá: o Samburá tem um talvegue dois metros mais baixo que o São
Francisco. E tem maior vazão e maior bacia hidrográfica e maior distância até a
respectiva nascente. Essa constatação fez com que os técnicos da CODEVASF
determinassem que a nascente geográfica do Rio São Francisco é a do Rio
Samburá, no município de Medeiros MG (Anais XI SBSR, Belo Horizonte, Brasil,
05-10 abril 2003, INPE, p. 393-400).
Intuitivamente, entendemos que o rio mais caudaloso – de maior vazão –
tem um leito mais fundo que o rio menos caudaloso(suponha a água cavando o
leito por milhões de anos, quanto mais água, maior a escavação). Podemos intuir
também que quanto maior a área da bacia que direciona as águas para o rio,
maior a vazão desse rio. E que, quanto maior a área da bacia, mais distante a
nascente. Portanto, é um bom critério esse do IBGE, de que o rio principal é
aquele cujo talvegue está mais baixo em relação ao nível do mar.
Mas há casos tão complicados que é mais fácil matar os dois rios que
se encontram e fundar um terceiro, fruto da junção dos dois. É o caso do Rio
Paraná, que nasce da junção do Rio Grande e do Rio Paranaíba: rios enormes na foz;
difícil saber qual o principal, no olhômetro. E agora, mais difícil ainda,
porque o local encontra-se inundado pela represa de Ilha Solteira. Caso
semelhante é a junção dos rios Paranaíba e Corumbá, nas proximidades de
Itumbiara GO (é possível que o Corumbá seja o rio principal). Outra junção que
pode trazer surpresa é a do Rio Corumbá com o Rio São Bartolomeu. É possível
que o São Bartolomeu seja o rio principal. Se minhas suposições estiverem
corretas, o Paranaíba deveria se chamar São Bartolomeu. A bacia hidrográfica do
São Bartolomeu-Corumbá-Paranaíba é maior que a do Rio Grande. Logo, é possível
que ele seja o rio principal. Se isso for verdade, o Rio Paraná deveria se
chamar Rio São Bartolomeu. Da minha parte, já estou querendo mudar o nome
daquele rio que banha Buenos Aires!
Afinal, andei mais de 400 Km, durante 15 dias, pra descobrir que os
rios têm nascente histórica e nascente geográfica. E que a nascente que consta
nos mapas de boa parte dos principais rios está errada.
47 - AFINAL, A NASCENTE DO RIO GRANDE.
Santo Antônio do Rio Grande, distrito de Bocaina de Minas. Para quem
vem seguindo o rio no sentido da foz para a nascente, é o último povoado. Mas
ainda tem 20Km de estrada para o início da subida da serra. De fato, temos de
quebrar o espigão e descer uns 500 metros no sentido do vale do Paraíba para
encontrar a entrada da estradinha que leva a algumas chácaras, antes de se
tornar intransitável aos veículos de quatro rodas e, finalmente, a meio do
caminho do desnível de 600 metros, transformar-se em trilho de vaca, em meio a
capões de mata e pastagens.
Saí cedo da Pousada da Beth e do Dirceu, na zona urbana do povoado,
após o tradicional café da manhã reforçado de pão e queijo fresco de um dia e
café preto. Fazia um sábado bonito e, em 30 de maio, não faz calor nem frio nos
vales da Mantiqueira. E a julgar pelo tráfego, todo mundo ainda estava
dormindo. Ninguém! Eu seguia o último vale do Rio Grande, até ele desembicar
serra acima sem possibilidade de ser seguido, por causa do brabo desnível e das
grotas medonhas. Aí carece de arrodear e abordar a montanha pela parte mais
amigável, nem que para isso tenhamos de andar mais e dar voltas.
Na estradinha, uns moradores locais me disseram que a distância era de
2,5horas. É, na montanha as distâncias são medidas pelo tempo que demoramos a
vencê-las. Tudo depende do desnível e das condições do terreno. Eram 11h30.
Assim que começa o morro as valetas tomam conta. Contei cerca de quatro casas
abandonadas morro acima, por causa da impossibilidade do acesso de veículos. Mas
a estradinha ainda sobe bastante, batida apenas por um trilho em que eu via
rastros de cascos. Cavalos, pensava eu. Dos turistas que vão ver a nascente a
cavalo, conforme me informara na véspera uma hóspede da pousada.
O trilho na estrada se transforma em trilha pura no meio da mata nas
imediações de um poço onde o gado bebe água e ao lado há uma casinha de madeira
que parece abandonada. Trata-se do Rio Grande, centenas de metros abaixo da
nascente, vim a saber no outro dia, quando descia. A trilha segue uma lógica
que eu aceitava, até subir mais e vencer a mata. Ela sai num campo aberto, onde
algumas vacas pastavam. Comecei a me preocupar. Aquilo que eu vinha seguindo
era trilho de vaca puro. Pois a lógica das vacas não é a mesma lógica de alguém
que está subindo à procura da nascente do rio. E cogitei a hipótese de me
perder naquele ermo. E aí, no pasto aberto, havia trilhos de quem vive a
pastar. E eu zanzei a tarde inteira lá no alto do Mirantão, cujo cume está a
2200 metros de altitude e domina uma vasta legião de cumes mais baixos. Ali
deve passar uns cinco exploradores por ano, se muito... De um lado, o mundo do
Rio Grande; do outro, Resende ao fundo e diversos povoados na região de
Visconde de Mauá, na serra mais abaixo.
Lá de cima eu examinava uma meia dúzia de grotas inacessíveis que
iniciavam vales 200 metros abaixo. Em todas elas havia uma nascente, com
certeza. E todas convergiam para o mesmo vale: o vale do Rio Grande. A nascente
seria a mais distante da foz, mas isso era questão de poucas dezenas de metros
de diferença. E isso naquele vasto mundo inóspito, não é fácil determinar. Eu
já estava decepcionado e vinha descendo quando, a cerca de 2000m de altitude,
resolvi investir em dois pedaços do mesmo plástico enganchados em duas árvores,
100 metros de distância uma da outra. Aquilo era sinalização e só podia ter a ver com a nascente. Segui a
direção, encontrei uma mina, havia bastante água empoçada, um pequeno brejo no
meio do pasto pisoteado pelos animais que ali matam a sede. Fiquei animado,
tirei fotos, só podia ser aquela. Quando observei melhor, nenhuma gota escorria
vale abaixo. Se aquela água ia para o rio, só se fosse por baixo da terra...
O explorador diletante, com viés turístico, cedo ou tarde mostra seus
vícios. Intimamente eu esperava encontrar uma trilha inconfundível indo dar num
fio d´água a escorrer, emoldurado por uma plaquinha bem feita onde se lia:
“aqui nasce o Rio Grande”. E tamanha era minha crendice que já criticava
antecipadamente o estilo do redator: não perdoaria um adjetivo mal posto. Mas,
literalmente, dei com os tênis no barro, porque ali tem um embarreado razoável
com muita água parada. Ali, na cota dos 2000m, efetivamente nasce água. E numa
época de chuvas mais regulares, creio que aquela água escorre. Se isso
acontecer, é ali a nascente do Rio Grande, tenho quase certeza, a julgar pelo
traçado que o Google apresenta, conforme constatei naquela mesma noite.
Mas eu ainda não sabia que o GPS do celular independe do sinal de
internet e fui dormir desanimado. Entardecera rápido e não dava tempo de descer
antes do escurecer. Armei a barraca por ali, numa pequena colina de pasto, e
tratei de dormir. Fazia frio, acordei no meio da noite e acendi o celular. Fui
ao Google maps e, maravilhado, me vi localizado exatamente onde estava minha
barraca, com o traçado aproximado do rio passando perto e se acabando pouco
acima. Eu estava ao lado! Aquela poça d’água tinha todas as possibilidades.
Quando clareasse eu continuaria a exploração, em busca do primeiro filete de
água corrente.
No outro dia eu margeei a grota, mas não entrei lá não. Me contentei
com uma fotografia. Aquilo é muito fundo e rodeado de mata fechada, deve ter
onça. Se não estivesse chovendo, eu teria tentado algo mais. E que diferença
faz a existência ou não de um filete? Por que essa sanha burocrática da
necessidade do preto no branco em se tratando da nascente de um rio? Ora, a
nascente absoluta de um rio será sempre polêmica. Se tiver placa, é pra turista
ver. Um rio não nasce, um rio aparece. Aquele efetivo curso a correr é fruto de
infinitos olhos d’água a montante, visíveis ou invisíveis. Águas indecisas em
brejos e encharcados, de repente, eis a corrente. Mas na Serra da Mantiqueira,
a 2000 metros de altitude, em meio à mata atlântica preservada nas gargantas, é
impossível determinar esses inícios. Eu deveria estar mais satisfeito com os
800 Km de rio que percorri. A nascente era só um detalhe. Um detalhe que me
puxou por duas semanas e me fez andar a pé por mais de 30Km por dia. De mais a
mais, apenas com uma enxada dá pra cavar um rego e fazer a água daquela poça
escorrer morro abaixo. Os agentes turísticos ainda não descobriram a nascente
do Rio Grande.
No
domingo chuvoso, desci a montanha pela trilha de terra escorregadia, ainda temeroso
de não encontrar o caminho de volta e, após dois tombaços, saí na estrada para
Santo Antônio. Eu seguira a trilha inversa na véspera, mas, diferente dos
heróis de Mário Palmério (Chapadão do Bugre), não sou fruto de mera ficção. Sou
muito pequeno ante a complexidade da mata e da montanha. Sou apenas um detalhe
na infinita dimensão da Natureza que me envolve. Poderia sim me perder ali, que
a mais poderosa arma do fraco ser é sua consciência da fraqueza própria.
A estrada estava barrenta e sem vestígios
de trânsito após a noite chuvosa. Não havia viva alma em movimento. Retornei
alguns quilômetros e entrei na montanha novamente, num atalho para o povoado de
Mirantão, pelo vale do Rio da Prata. Ali passei por mais dois quilômetros de
difícil mas descendente e bem marcada trilha. Na segunda-feira, peguei carona
com o ônibus escolar até Visconde de Mauá e, dali, fui até Resende de ônibus,
onde embarquei para São Paulo. (FIM).
Acabei de ler tudo... então não se sabe ao certo onde é a nascente verdadeira? "Os agentes turísticos ainda não descobriram a nascente do Rio Grande". Fiquei meio triste agora.... mas vc poderia postar a foto do que vc falou? "No outro dia eu margeei a grota, mas não entrei lá não. Me contentei com uma fotografia. Aquilo é muito fundo e rodeado de mata fechada, deve ter onça". Não consigo imaginar mto bem essa descrição
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