segunda-feira, 29 de junho de 2015

7/7 - Sétima e última parte. Itens 43 a 47.

A última noite, no alto do Mirantão, Serra da Mantiqueira, ao lado da nascente do Rio Grande.
43 - O RIO QUE INVERTEU SEU CURSO: PIUMHI.
A inversão do curso do Rio Piumhi ou Piui é uma realidade impressionante, que demonstra a grandiosidade da intervenção humana na natureza quando da construção da barragem no Rio Grande que resultou no Lago de Furnas.  O rio Piui nasce na Serra da Canastra e desaguava no Rio Grande, logo após passar por uma região pantanosa. Com a construção da represa de Furnas, o Piui foi desviado para o São Francisco. Isso para que a água do lago não vazasse para o vale do Rio São Francisco pelo leito do Piui e também não inundasse a área urbana de Capitólio. E também para possibilitar um nível máximo mais elevado para o lago da hidrelétrica. Para isso foi construído um dique próximo à cidade e canais redirecionando o rio. A construção dos canais drenou o pântano e, se por um lado permitiu a incorporação de extensa área à produção agrícola, pelo enxugamento do brejo, por outro exterminou o ecossistema primitivo da região úmida. Mas a informação que surpreende, do ponto de vista dos possíveis danos ambientais da intervenção, nenhum leigo imagina: ela interligou o ecossistema aquático das duas grandes bacias hidrográficas. Peixes e demais organismos aquáticos exclusivos da bacia do Rio Grande – que habitavam o Piui -  foram introduzidos na bacia do Rio São Francisco. Isso talvez tenha provocado graves desequilíbrios na fauna aquática e ribeirinha da bacia do São Francisco, como a invasão ou extinção de espécies e seus respectivos parceiros na cadeia alimentar. Mas, enfim, o que importava era a movimentação das turbinas e a geração de energia elétrica.
44 - ASSOMBRAÇÃO.
Aqui na artificial luminosidade do meu lar, recordo de certos lugares em que passei e fico pasmo de não ter me encontrado com nenhum fantasma. Acho que só não vi porque passei fora do horário. Ou porque estava ocupado demais com coisas terrenas. Mas teria visto se tivesse passado a pé na capela do Espírito Santo, a caminho de São Vicente. Passei de carro e apenas vislumbrei a quantidade de embalagens e outros lixos deixados pela festa de arromba da véspera, em homenagem ao Divino. Ao lado do Buraco do Inferno, antes de Bom Jardim, também passei de carro. Ali eu passaria andando, já no escuro, caso não tivesse pegado carona. E teria visto lá embaixo a luzinha da brasa do cachimbo do velho ancestral a pitar enquanto alisava uma jaguatirica. E os discos voadores no topo do Mirantão? Ali não é longe de Varginha (lembram do ET de Varginha?) e o terreno bem regular e limpo em que passei a noite, a se destacar no pontilhado de cumes da Mantiqueira, certamente é passagem de alienígenas, que se sentem seguros longe das vistas de qualquer terráqueo.
Talvez eu não tenha visto porque não estava devidamente avisado. O andarilho de longas distâncias, por dias a fio, conversa pouco com o povo local. Não tem a paciência de encostar a pança no balcão de uma venda de vila e aguardar a dissipação da poeira provocada por sua inusitada aparição. E tomar uma cachaça desembaraçante com aquele velho ensimesmado a enrolar um palheiro que o espia de esguelho. E então ser avisado de locais e horários em que se veem luzes implausíveis e se ouvem gemidos de nenhuma garganta. Porque todas as almas penadas de noivas e boiadeiros e crianças e alguns santos menos ortodoxos que pululam em horas impróprias por aqueles sertões saem da literatura oral desses velhos que nunca ultrapassaram um raio de cinquenta quilômetros de onde nasceram.
E ainda aqui, na tela do desktop, nas virtuais redes de amigos de variados jargões, sou bombardeado por crendices pós-modernas. Não há mais velhos. Os velhos estão mortos. Há jovens que nunca arredaram pé do próprio quarto em que cresceram, a cortar e colar mulas-sem-cabeça reais registradas em milhares de pixels. Convenientes caiporas a informar e contrainformar produtos comerciais em disputa de mercado:  se você cozinhar assim e embalar assado, terá câncer; se você usar aquilo e desusar isso, terá vida longa; manga com pepino é morte certa; berinjela faz bem; comer à noite..., um copo de vinho todo dia..., cenoura é bom pra tosse... Pesquisa realizada pela Universidade de Godmyliv descobriu que... Use sempre produtos desse selo, daquela origem, siga os 14 passos para o sucesso e reze, porque o fim está próximo.
Cientistas populistas substituem velhos sábios, palestrantes substituem pastores e psicanalistas cobram para conversar com gente que só interage virtualmente. Ninguém mais reza, mas cada vez mais somos avisados por novos profetas. Nunca seguimos tantos dogmas e toda semana se anuncia um apocalipse. É uma assombração atrás da outra a nos dispersar. Então começo a pensar na próxima fuga.
45 - FOZES E NASCENTES.
Fozes. Esquisito esse plural, não? Venho seguindo esse rio, pretendo desvendar sua nascente. Não seria capricho demais? Curiosidade demais? Falta do quê fazer demais? Obsessão patológica, com alguma punição ou decepção ao final, como costuma acontecer com quem segue uma mulher bonita até desvendar sua nudez? Faz sentido essa persistência em presenciar os primeiros respingos ou os suspiros finais de uma entidade viva? Porque o rio é uma entidade com nascimento, vida e morte.
E o nascimento de um rio é um evento natural assim tão simples, como pretendo? Em regiões serranas a água brota da terra com muita facilidade. Mas quase sempre em buracos fundos e quase inacessíveis por causa da densa vegetação. É o lençol freático que aflora por causa de abruptos desníveis da  exposta rocha viva. A camada de terra funciona como selante da superfície. Na montanha, as águas subterrâneas que têm as rochas como condutos, de repente, espiam o céu, sem qualquer barro a obsedar-lhes. É a mina. Que pode ser tão tênue e apenas umedecer e formar um brejo. Ou pode jorrar inequívoca, de dentro do oco da fenda da pedra.
E qual mina ou merejo é a nascente do rio, se há uma infinidade delas nessas úmidas cabeceiras? Ora, é simples: é aquela em que um agente turístico afixou uma placa! É um dilema que não existe para os rios formados por descongelamento de geleiras, como o Amazonas. O gelo está ali esparramado na montanha toda, vai derretendo, todos sabem, a água escorre, forma o rio. Enquanto a água que brota da rocha é desconhecida. Sua vida pregressa é um mistério, embora limpa, sem dúvida... Mas há polêmicas mais grossas. Como a de que a nascente do São Francisco não é aquela da Serra da Canastra, mas a do Rio Pará (ou até mesmo do Paraopeba, vizinho), lá perto de Barbacena, na Serra das Vertentes(técnicos da CODEVASF falam em nascente histórica e nascente geográfica e dizem que esta é a do Rio Samburá, no município de Medeiros MG cfe. Anais XI SBSR, Belo Horizonte, Brasil, 05-120 abril 2003 p. 393-400).
 E quem foi que disse que o grande rio que se encontra com o Grande para formar o Paraná nasce ali do outro lado da Serra da Canastra? Pelo que ouvi e vi e li, não existe polêmica sobre a nascente do Rio Paranaíba. Estou iniciando a polêmica agora. Sua nascente não seria aquela do Rio Pipiripau, a nordeste de Brasília que, segundo os mapas, forma o São Bartolomeu - que deságua no Corumbá -, muito mais distante? Ou a própria nascente do Rio Corumbá, lá no pé da Serra dos Pireneus, no fundão de Goiás? (efetivamente, os lambaris de Buenos Aires poderiam nadar até o Lago Paranoá, não fossem tantas barragens e cachoeiras). Uma canetada equivocada de um cartógrafo desatento, no tempo em que os mapas eram traçados com base em informações de viajantes, e eis tantos interesses transferidos daqui pr’ali, se é que alguém além de mim se interessa por nascente de rio...
Determinar a foz seria mais simples. Os grandes rios costumam desaguar no mar, suas fozes são enormes, estão ali pra todo mundo ver...ops! A coisa não é tão simples. Vai ver a foz do Nilo, naquele enorme e intrincado delta. E a foz do Amazonas, que pode ser mais pra lá ou mais pra cá, dependendo da força das águas do mar e do rio quando se encontram. E há as fozes que foram mortas pelo homem. Como a foz do Rio Grande, submersa pelo lago da barragem de Ilha Solteira.  Mas há rios que não tem foz. A água não deságua em lugar algum. É o caso do Rio Mendoza, na Argentina. O rio nasce do degelo dos Andes, ao pé do Aconcágua, e desce para a planície árida, banha todas as ruas da capital da província, através de canais artificiais, e vai irrigando parreirais, hortas e quintais até se exaurir no nada. Nonada...
46 - TALVEGUE. A PALAVRA-CHAVE PARA SE CHEGAR À NASCENTE DE UM RIO.
De jusante para montantes, siga o talvegue mais fundo... Talvegue. Gosto dessa palavra. Os engenheiros, vez ou outra, escrevem bonito. Pra compensar feiuras como montante(nascente) e jusante(foz). Talvegue é a parte mais funda do vale. É a linha onde acaba a descida de um lado e começa a subida do outro lado do vale. Como, no fundo do vale, normalmente corre um rio, o talvegue é a parte mais funda do rio.
Pois o talvegue é a palavra-chave para se determinar a nascente de um rio. Como se sabe, um rio se acaba quando deságua num outro maior ou num lago ou no mar (nunca canso de lembrar o caso do Rio Mendoza, na Argentina, que se vai exaurindo até se acabar por conta própria, por falta d’água). Por outro lado, o rio, até sua foz, recebe as águas de outros rios menores. Para se determinar a nascente de um rio, devemos, a partir de sua foz, seguir o curso inverso, sempre pelo rio principal, até sua nascente.
O problema é saber qual é o rio principal e qual é o afluente, em casos de rios de magnitude semelhante. Vários critérios poderiam ser adotados. O rio mais extenso daquele ponto até a respectiva nascente; o rio que drena a maior bacia hidrográfica; o rio mais largo; o rio com maior vazão naquele ponto. Ou o rio de menor cota de talvegue. É o critério adotado pelo IBGE. Ou seja, o rio mais fundo. Tem lógica. Um exemplo é o encontro entre os rios São Francisco e Samburá: o Samburá tem um talvegue dois metros mais baixo que o São Francisco. E tem maior vazão e maior bacia hidrográfica e maior distância até a respectiva nascente. Essa constatação fez com que os técnicos da CODEVASF determinassem que a nascente geográfica do Rio São Francisco é a do Rio Samburá, no município de Medeiros MG (Anais XI SBSR, Belo Horizonte, Brasil, 05-10 abril 2003, INPE, p. 393-400).
Intuitivamente, entendemos que o rio mais caudaloso – de maior vazão – tem um leito mais fundo que o rio menos caudaloso(suponha a água cavando o leito por milhões de anos, quanto mais água, maior a escavação). Podemos intuir também que quanto maior a área da bacia que direciona as águas para o rio, maior a vazão desse rio. E que, quanto maior a área da bacia, mais distante a nascente. Portanto, é um bom critério esse do IBGE, de que o rio principal é aquele cujo talvegue está mais baixo em relação ao nível do mar.  
Mas há casos tão complicados que é mais fácil matar os dois rios que se encontram e fundar um terceiro, fruto da junção dos dois. É o caso do Rio Paraná, que nasce da junção do Rio Grande e do Rio Paranaíba: rios enormes na foz; difícil saber qual o principal, no olhômetro. E agora, mais difícil ainda, porque o local encontra-se inundado pela represa de Ilha Solteira. Caso semelhante é a junção dos rios Paranaíba e Corumbá, nas proximidades de Itumbiara GO (é possível que o Corumbá seja o rio principal). Outra junção que pode trazer surpresa é a do Rio Corumbá com o Rio São Bartolomeu. É possível que o São Bartolomeu seja o rio principal. Se minhas suposições estiverem corretas, o Paranaíba deveria se chamar São Bartolomeu. A bacia hidrográfica do São Bartolomeu-Corumbá-Paranaíba é maior que a do Rio Grande. Logo, é possível que ele seja o rio principal. Se isso for verdade, o Rio Paraná deveria se chamar Rio São Bartolomeu. Da minha parte, já estou querendo mudar o nome daquele rio que banha Buenos Aires!
Afinal, andei mais de 400 Km, durante 15 dias, pra descobrir que os rios têm nascente histórica e nascente geográfica. E que a nascente que consta nos mapas de boa parte dos principais rios está errada.

47 - AFINAL, A NASCENTE DO RIO GRANDE.
Santo Antônio do Rio Grande, distrito de Bocaina de Minas. Para quem vem seguindo o rio no sentido da foz para a nascente, é o último povoado. Mas ainda tem 20Km de estrada para o início da subida da serra. De fato, temos de quebrar o espigão e descer uns 500 metros no sentido do vale do Paraíba para encontrar a entrada da estradinha que leva a algumas chácaras, antes de se tornar intransitável aos veículos de quatro rodas e, finalmente, a meio do caminho do desnível de 600 metros, transformar-se em trilho de vaca, em meio a capões de mata e pastagens.
Saí cedo da Pousada da Beth e do Dirceu, na zona urbana do povoado, após o tradicional café da manhã reforçado de pão e queijo fresco de um dia e café preto. Fazia um sábado bonito e, em 30 de maio, não faz calor nem frio nos vales da Mantiqueira. E a julgar pelo tráfego, todo mundo ainda estava dormindo. Ninguém! Eu seguia o último vale do Rio Grande, até ele desembicar serra acima sem possibilidade de ser seguido, por causa do brabo desnível e das grotas medonhas. Aí carece de arrodear e abordar a montanha pela parte mais amigável, nem que para isso tenhamos de andar mais e dar voltas.
Na estradinha, uns moradores locais me disseram que a distância era de 2,5horas. É, na montanha as distâncias são medidas pelo tempo que demoramos a vencê-las. Tudo depende do desnível e das condições do terreno. Eram 11h30. Assim que começa o morro as valetas tomam conta. Contei cerca de quatro casas abandonadas morro acima, por causa da impossibilidade do acesso de veículos. Mas a estradinha ainda sobe bastante, batida apenas por um trilho em que eu via rastros de cascos. Cavalos, pensava eu. Dos turistas que vão ver a nascente a cavalo, conforme me informara na véspera uma hóspede da pousada.
O trilho na estrada se transforma em trilha pura no meio da mata nas imediações de um poço onde o gado bebe água e ao lado há uma casinha de madeira que parece abandonada. Trata-se do Rio Grande, centenas de metros abaixo da nascente, vim a saber no outro dia, quando descia. A trilha segue uma lógica que eu aceitava, até subir mais e vencer a mata. Ela sai num campo aberto, onde algumas vacas pastavam. Comecei a me preocupar. Aquilo que eu vinha seguindo era trilho de vaca puro. Pois a lógica das vacas não é a mesma lógica de alguém que está subindo à procura da nascente do rio. E cogitei a hipótese de me perder naquele ermo. E aí, no pasto aberto, havia trilhos de quem vive a pastar. E eu zanzei a tarde inteira lá no alto do Mirantão, cujo cume está a 2200 metros de altitude e domina uma vasta legião de cumes mais baixos. Ali deve passar uns cinco exploradores por ano, se muito... De um lado, o mundo do Rio Grande; do outro, Resende ao fundo e diversos povoados na região de Visconde de Mauá, na serra mais abaixo.
Lá de cima eu examinava uma meia dúzia de grotas inacessíveis que iniciavam vales 200 metros abaixo. Em todas elas havia uma nascente, com certeza. E todas convergiam para o mesmo vale: o vale do Rio Grande. A nascente seria a mais distante da foz, mas isso era questão de poucas dezenas de metros de diferença. E isso naquele vasto mundo inóspito, não é fácil determinar. Eu já estava decepcionado e vinha descendo quando, a cerca de 2000m de altitude, resolvi investir em dois pedaços do mesmo plástico enganchados em duas árvores, 100 metros de distância uma da outra. Aquilo era sinalização  e só podia ter a ver com a nascente. Segui a direção, encontrei uma mina, havia bastante água empoçada, um pequeno brejo no meio do pasto pisoteado pelos animais que ali matam a sede. Fiquei animado, tirei fotos, só podia ser aquela. Quando observei melhor, nenhuma gota escorria vale abaixo. Se aquela água ia para o rio, só se fosse por baixo da terra...
O explorador diletante, com viés turístico, cedo ou tarde mostra seus vícios. Intimamente eu esperava encontrar uma trilha inconfundível indo dar num fio d´água a escorrer, emoldurado por uma plaquinha bem feita onde se lia: “aqui nasce o Rio Grande”. E tamanha era minha crendice que já criticava antecipadamente o estilo do redator: não perdoaria um adjetivo mal posto. Mas, literalmente, dei com os tênis no barro, porque ali tem um embarreado razoável com muita água parada. Ali, na cota dos 2000m, efetivamente nasce água. E numa época de chuvas mais regulares, creio que aquela água escorre. Se isso acontecer, é ali a nascente do Rio Grande, tenho quase certeza, a julgar pelo traçado que o Google apresenta, conforme constatei naquela mesma noite.
Mas eu ainda não sabia que o GPS do celular independe do sinal de internet e fui dormir desanimado. Entardecera rápido e não dava tempo de descer antes do escurecer. Armei a barraca por ali, numa pequena colina de pasto, e tratei de dormir. Fazia frio, acordei no meio da noite e acendi o celular. Fui ao Google maps e, maravilhado, me vi localizado exatamente onde estava minha barraca, com o traçado aproximado do rio passando perto e se acabando pouco acima. Eu estava ao lado! Aquela poça d’água tinha todas as possibilidades. Quando clareasse eu continuaria a exploração, em busca do primeiro filete de água corrente.
No outro dia eu margeei a grota, mas não entrei lá não. Me contentei com uma fotografia. Aquilo é muito fundo e rodeado de mata fechada, deve ter onça. Se não estivesse chovendo, eu teria tentado algo mais. E que diferença faz a existência ou não de um filete? Por que essa sanha burocrática da necessidade do preto no branco em se tratando da nascente de um rio? Ora, a nascente absoluta de um rio será sempre polêmica. Se tiver placa, é pra turista ver. Um rio não nasce, um rio aparece. Aquele efetivo curso a correr é fruto de infinitos olhos d’água a montante, visíveis ou invisíveis. Águas indecisas em brejos e encharcados, de repente, eis a corrente. Mas na Serra da Mantiqueira, a 2000 metros de altitude, em meio à mata atlântica preservada nas gargantas, é impossível determinar esses inícios. Eu deveria estar mais satisfeito com os 800 Km de rio que percorri. A nascente era só um detalhe. Um detalhe que me puxou por duas semanas e me fez andar a pé por mais de 30Km por dia. De mais a mais, apenas com uma enxada dá pra cavar um rego e fazer a água daquela poça escorrer morro abaixo. Os agentes turísticos ainda não descobriram a nascente do Rio Grande.


 No domingo chuvoso, desci a montanha pela trilha de terra escorregadia, ainda temeroso de não encontrar o caminho de volta e, após dois tombaços, saí na estrada para Santo Antônio. Eu seguira a trilha inversa na véspera, mas, diferente dos heróis de Mário Palmério (Chapadão do Bugre), não sou fruto de mera ficção. Sou muito pequeno ante a complexidade da mata e da montanha. Sou apenas um detalhe na infinita dimensão da Natureza que me envolve. Poderia sim me perder ali, que a mais poderosa arma do fraco ser é sua consciência da fraqueza própria.

A estrada estava barrenta e sem vestígios de trânsito após a noite chuvosa. Não havia viva alma em movimento. Retornei alguns quilômetros e entrei na montanha novamente, num atalho para o povoado de Mirantão, pelo vale do Rio da Prata. Ali passei por mais dois quilômetros de difícil mas descendente e bem marcada trilha. Na segunda-feira, peguei carona com o ônibus escolar até Visconde de Mauá e, dali, fui até Resende de ônibus, onde embarquei para São Paulo. (FIM).

Um comentário:

  1. Acabei de ler tudo... então não se sabe ao certo onde é a nascente verdadeira? "Os agentes turísticos ainda não descobriram a nascente do Rio Grande". Fiquei meio triste agora.... mas vc poderia postar a foto do que vc falou? "No outro dia eu margeei a grota, mas não entrei lá não. Me contentei com uma fotografia. Aquilo é muito fundo e rodeado de mata fechada, deve ter onça". Não consigo imaginar mto bem essa descrição

    ResponderExcluir