MUNDO VÉIO
SEM TRANCA.
E muitas
porteiras. Vou de ônibus até Itutinga e de lá continuo a pé até Carrancas. Mas
é domingo e o circular só vai até Itumirim. Então vou com o circular, desço no
trevo de Macuco e acabo de chegar de carona. Ou vou andando. Se atrasar e não
chegar antes do escurecer, acampo na estrada. Para isso, levo a casa nas
costas, 2,5 Kg a mais. Mas poderia iniciar a caminhada em Rosário ou ficar
dormindo no hotel em Lavras. E se eu ficasse curtindo uma praia no Capivari, a
meio caminho? Ou improvisasse um anzol e uma linha num bambu, cujas moitas
estão por toda parte? É possível colher minhocas com a mão, no brejo beira rio.
Ligo a internet móvel ou economizo? Vale a pena ver as últimas notícias? Nego
ajuda ao espertinho que perdeu a carteira e quer 8,50 pra voltar pra casa,
porque sou andarilho e estou com o dinheiro contado. Incrível como pululam
esses tipos nas rodoviárias. Mas abro o Google maps pra mocinha bonita que me
pergunta se sei onde tem um mapa. Ela me pergunta se conheço algum lugar bonito
pra se ir, está viajando de carona pela BR. Ela quer aventura, mostro-lhe a
mochila. Mas ela só aceita carona na BR. Só que aqui não tem BR, aqui tem MG.
Sendo que sou SP, mas posso trabalhar com outras letras do alfabeto. Digo que
estou a pé, ela tira os trem. E, afinal,
há um ônibus às 9h45 pra São João Del
Rei, que passa em Itutinga. Mais uma etapa viabilizada. Amanhã a gente planeja
o depois de amanhã, no hotel em Carrancas, antes de dormir. São Vicente ou
Madre de Deus? Só o Rio Grande que não sai do lugar. Represas. Não corre mas
sobe ou desce. Pulsa. E o caipira a cismar.
ROMPENDO
CHÃO.
Sol, suor e
solidão. E subida. E sanduíche. Sou uma máquina de andar. Tenho pé de ferro. E
um Kompressor dentro do peito. E possantes ventiladores também, embora não
muito confiáveis, como esses fabricados na China. De vez em quando engripam.
Pés de ferro, como aqueles usados pelos sapateiros. Em minha casa havia um. Nem
sei se ainda há sapateiros hoje em dia, quanto mais pés de ferro. Não me refiro
aos operários das fábricas de sapatos, é claro. Só sei que os pés de ferro são
insensíveis e eternos, embora os olhos sejam míopes e os ouvidos precários. O
coração, os pés, e os pulmões – enquanto funcionam –, compensam os joelhos de
plástico de Bangladesh. O chapéu de palha compensa a calvície. Os olhos e os
ouvidos estão com os componentes capengas e as pilhas fracas, tudo fabricado em
Formosa. Dentro da cabeça tenho um chip coreano. Dá pro gasto. Cheiros e gostos
são frescuras que não entram no cardápio do andarilho. Seus captadores são
rudimentares, feitos a canivete. Uma máquina bem rodada: dois terços já se
foram. O agadê da memória é do mais fundo quintal paraguaio. Dois terços já? Mas
tenho os pés de frio e bruto e eterno aço. E um Kompressor dentro do peito.
Alemão.
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