SOUSA
Sousa do Rio
Grande, distrito de Lima Duarte, é um povoado triste. O dono do bar, 50 anos, é
um hippie frustrado. Pensava em viajar o Brasil de carona, quando se
aposentasse, mas aí casou de novo, vieram mais dois filhos... Encostado no
balcão estava o cavaleiro que passara por mim há pouco, na entrada da cidade.
Ofereci-lhe uma cerveja, ele recusou, disse que sofria de sinusite, só tomava
pinga. Ele usava a mula como meio de transporte; até naquele mundo de fazendas
de gado isso é raro. Há muitas plantações de eucaliptos. Era época de colheita, avisava uma placa à
beira da estrada. Por colheita, entenda-se a derrubada das árvores com mais de
trinta metros de altura. As carretas carregadas de troncos para a carvoaria da
Saint Gobain passam a toda hora, levantando o maior poeirão. A filha mais nova
do dono do bar sofre com a bronquite alérgica. Há uma igreja verde em meio a
uma praça no mato, no alto do morro, esquecida pelo comércio. Constatei ao longo
do caminho que é uma tendência o abandono da praça da matriz pelo comércio.
Essas praças costumam ficar nos morros, como se fossem castelos medievais com
funções de vigia e defesa. Os comerciantes preferem se instalar à beira das
estradas e rodovias, que passam mais embaixo. Vi isto também em Liberdade,
Santo Antônio do Rio Grande e Mirantão.
Sousa. Quem
mora ali não mora na roça nem na cidade. Não há sinal de celular nem asfalto na
ligação com o resto do mundo. Está rodeada de bosques artificiais, que não têm
nada a ver com floresta. Nem o rio passa perto.
UMA FERROVIA DO IMPÉRIO. INACABADA.
Entre Bom Jardim e Liberdade MG. Corte profundo, para construção de via férrea. |
Perto de Souza comecei a notar estranhos cortes e
aterros na estradinha de terra estreita. Aterros e cortes enormes, a estrada
quase plana. Afinal, conheço alguma coisa de construção de estradas e movimento
de terra. Antigamente só se fazia isso em ferrovias. Os trens nunca suportaram
grandes desníveis. Mas os caminhos de carros de boi subiam e desciam e molhavam
rodas e cascos nas águas mais fundas do vale, e subiam ao mais alto da crista
da serra. Ao final do dia, o funcionário da Saint Gobain que me deu carona até
Bom Jardim confirmou minha desconfiança. Era uma ferrovia cuja execução parou
no meio. Ainda no tempo do império, fora construída por escravos, havia até
numa cidade próxima uma casa com mais de 80 janelas para abrigar os operários.
Então, até Liberdade, seguindo a cota praticamente constante da junção do
planalto com o varjão do Rio Grande, fui observando o notável trabalho de
engenharia de pontes de ferro e taludes e drenos e pisos, cujos princípios
ainda hoje regem a construção de rodovias e ferrovias. (Atenção para os comentários, que informam que se trata de construção do início do séc.XX, da República, portanto).
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ResponderExcluirA ferrovia que descreves é uma Ramal da EFCB projetado para ligar Juiz de Fora a Bom Jardim! Teve início em 1911 em Benfica, chegando a Lima Duarte em 1926. De Lima Duarte a Bom Jardim as obras duraram de 1944 a 1954, portanto é da Era Repúblicana, nada a ver com o Império.
ResponderExcluirEntão, tudo a ver com a República! Mas os barões são os mesmos, certo?
ExcluirNão eram muito a ver com trabalho escravo neste tempo. Meu avô trabalhou muito Aki transportando terras em carroças. Ele não era escravo
ResponderExcluirCerto, obrigado pela informação. Coloquei um alerta lá no texto.
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