quinta-feira, 18 de junho de 2015

Caronas e camaradas.

A ARTE DE PESCAR CARONA


O sol rachava mamona. Lá embaixo corria o Rio Grande, dava pra ver a ponte. Na colina oposta modorrava a zona urbana de Madre de Deus. Eu sentado à beira do asfalto, pedindo carona para Piedade. Às vezes o mundo sabe ser bom. Nas MGs e BRs vou de ônibus. Ou de carona. Só ando nas vicinais. Estava difícil, poucos carros passando e quem passava não parava. Pedir carona é como pescar. Tem de ter paciência, perseverança e fé. E nenhum horário.

De repente, dois concorrentes se instalam cem metros antes. Agora que estou lascado, pensei. Agora só me resta torcer por eles, que sejam levados o mais rápido possível. Sacanagem. Quem se coloca na via pública tem de estar preparado para praticar o altruísmo.

Estou fragilizado, não sei se quero ou não quero pegar carona rápido. É cedo. É que tenho roupa secando sobre a mochila estendida no asfalto, servindo de varal, aquela que não secou na noite anterior, cueca,  meia, camiseta. Mais uns 15 minutos nesse sol e estarão secas. Levanto o dedão sem convicção. Isso é fatal. Um vendedor, assim como um pedinte de carona, precisa mostrar convicção. 

Os concorrentes conseguirão rápido, penso, estão mais que convictos, estão entusiasmados com o fato de que irão inapelavelmente de carona para Piedade. Um caminhão para, eles entram. Exulto. Recolho as roupas secas, arregaço as mangas, fico de pé e, pra garantir, ocupo a posição que meus concorrentes ocupavam há pouco. É uma posição testada e aprovada. A arte de pedir carona tem suas minúcias. Dez metros pra cá ou pra lá podem determinar o sucesso ou o insucesso da obra. É preciso se colocar no lugar do motorista e imaginar a direção do seu olhar e a sua palpitação cardíaca em cada ponto da zona de carona. Porque há as zonas de carona nas estradas. Fora delas você fica mofando o dia inteiro, nem adianta, não tem entusiasmo que dê jeito.

Vou à luta, crente. Dez minutos. O Fiat Mille para. Há três homens dentro. Vam’bora! Só se eu fosse macaco novo pra não aceitar a oferenda dos três homens. Três homens com cara de carola. Desconfio do motorista, parece padre. Perigo só existe para quem não tem fé. Quem se estabelece não pode escolher freguês. São de Santana do Garambéu, cidade em que eu chegaria no dia seguinte e pernoitaria. E acrescento que de Piedade em diante – onde o rio faz a curva -, não aceitaria mais caronas.


 E o motorista que parecia padre era mineiro desconfiado(pleonasmo): na tarde do dia seguinte foi conferir se eu estava lá no hotel em Santana. E não sei se por capricho ou por coincidência, passou por mim na saída de Santana para Bom Jardim, oferecendo carona sorrindo, sabendo que eu não deveria aceitar. De Piedade em diante, no sentido nordeste – sudoeste, recebendo o sol da manhã na face esquerda. Vida lôca.

2 comentários:

  1. Mas conta aí, se aceitou a carona do padre pela segunda vez, né.

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    1. Ah, não. Dele não aceitei não. Mas aceitei de outro que ofereceu, no final do expediente. Caminhei 50Km naquele dia e estava escurecendo e a cidade mais próxima era Bom Jardim, a 10 Km. Quando isso acontece, eu armo a barraca e passo a noite. Só que era um lugar feio sem abrigo e sem terreno bom pra acampar. Aí o cara parou do meu lado e ofereceu. Aceitei, porque não sou tão duro assim...

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