A ARTE DE
PESCAR CARONA
O sol
rachava mamona. Lá embaixo corria o Rio Grande, dava pra ver a ponte. Na colina
oposta modorrava a zona urbana de Madre de Deus. Eu sentado à beira do asfalto,
pedindo carona para Piedade. Às vezes o mundo sabe ser bom. Nas MGs e BRs vou
de ônibus. Ou de carona. Só ando nas vicinais. Estava difícil, poucos carros
passando e quem passava não parava. Pedir carona é como pescar. Tem de ter
paciência, perseverança e fé. E nenhum horário.
De repente,
dois concorrentes se instalam cem metros antes. Agora que estou lascado,
pensei. Agora só me resta torcer por eles, que sejam levados o mais rápido
possível. Sacanagem. Quem se coloca na via pública tem de estar preparado para
praticar o altruísmo.
Estou
fragilizado, não sei se quero ou não quero pegar carona rápido. É cedo. É que
tenho roupa secando sobre a mochila estendida no asfalto, servindo de varal,
aquela que não secou na noite anterior, cueca,
meia, camiseta. Mais uns 15 minutos nesse sol e estarão secas. Levanto o
dedão sem convicção. Isso é fatal. Um vendedor, assim como um pedinte de
carona, precisa mostrar convicção.
Os concorrentes conseguirão rápido, penso,
estão mais que convictos, estão entusiasmados com o fato de que irão inapelavelmente
de carona para Piedade. Um caminhão para, eles entram. Exulto. Recolho as
roupas secas, arregaço as mangas, fico de pé e, pra garantir, ocupo a posição
que meus concorrentes ocupavam há pouco. É uma posição testada e aprovada. A
arte de pedir carona tem suas minúcias. Dez metros pra cá ou pra lá podem
determinar o sucesso ou o insucesso da obra. É preciso se colocar no lugar do
motorista e imaginar a direção do seu olhar e a sua palpitação cardíaca em cada
ponto da zona de carona. Porque há as zonas de carona nas estradas. Fora delas
você fica mofando o dia inteiro, nem adianta, não tem entusiasmo que dê jeito.
Vou à luta,
crente. Dez minutos. O Fiat Mille para. Há três homens dentro. Vam’bora! Só se
eu fosse macaco novo pra não aceitar a oferenda dos três homens. Três homens
com cara de carola. Desconfio do motorista, parece padre. Perigo só existe para
quem não tem fé. Quem se estabelece não pode escolher freguês. São de Santana
do Garambéu, cidade em que eu chegaria no dia seguinte e pernoitaria. E
acrescento que de Piedade em diante – onde o rio faz a curva -, não aceitaria
mais caronas.
E o motorista que parecia padre era mineiro desconfiado(pleonasmo):
na tarde do dia seguinte foi conferir se eu estava lá no hotel em Santana. E
não sei se por capricho ou por coincidência, passou por mim na saída de Santana
para Bom Jardim, oferecendo carona sorrindo, sabendo que eu não deveria
aceitar. De Piedade em diante, no sentido nordeste – sudoeste, recebendo o sol
da manhã na face esquerda. Vida lôca.
Mas conta aí, se aceitou a carona do padre pela segunda vez, né.
ResponderExcluirAh, não. Dele não aceitei não. Mas aceitei de outro que ofereceu, no final do expediente. Caminhei 50Km naquele dia e estava escurecendo e a cidade mais próxima era Bom Jardim, a 10 Km. Quando isso acontece, eu armo a barraca e passo a noite. Só que era um lugar feio sem abrigo e sem terreno bom pra acampar. Aí o cara parou do meu lado e ofereceu. Aceitei, porque não sou tão duro assim...
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