AZEITE: Santo Antônio do Porto.
A canoa do outro lado, na sombra. |
Azeite é o
apelido do povoado de Santo Antônio do Porto, distrito de Piedade do Rio
Grande. É comum os povoados ou pequenas cidades terem dois nomes: o oficial e o
popular. Cheguei, fui indo, uma senhora perguntou pra onde eu ia, falei, ela
disse que eu estava errado, que eu devia voltar, era pra lá, assim, assim. O
contrário, o oposto do meu mapinha, que memorizara, achando que a simplicidade
do local não valia a pena sacá-lo da algibeira, o bolso, no caso. O meu
precário mapa, rabiscado por mim, olhando a tela do Google.
Mais abaixo
um grupo de três mulheres e um homem tentou me ajudar. “Para onde o senhor quer
ir?”. “Pra Santana”. “Xiii! É muito
longe.”, falou uma secundária senhora, pois minha interlocutora era outra.
Pronto, vai começar a ladainha de que 14 Km é uma eternidade, pensei. Porque
uma coisa concreta que o andarilho aprende é que as distâncias são relativas.
Então perguntei: “São quantos quilômetros?”. E ela: “mais de 60”. Ela está
louca, pensei. Mas em seguida a louca consertou tudo e se lembrou de que havia um atalho. “Você vai ali
por cima, pela estradinha, chega no rio, logo vê a fazenda do outro lado, chama
o Miguel, ele vem te buscar de canoa”, e já foi me levando pra mostrar a saída.
Então saquei o meu mapa e constatei que a sugestão da mulher era a mesma do
Google. (mas o Google ia me pagar, se estivesse me levando para uma incerta
travessia de canoa...)
Toda essa
solicitude da mulher foi depois que ela concluiu, por conta própria lá dela,
que eu pagava promessa. É que ela havia sugerido que o seu marido, o homem
presente, me levasse de moto. Eu recusara, ela então compenetrada concluíra pra
todos ouvirem que eu pagava promessa. Não há melhor maneira de estabelecer
firme empatia com a população local que informá-la de que vamos a pé para
cumprir uma promessa.
A estrada,
que já era pouco usada, derivava para uma completamente esquecida, um
quilômetro adiante, no alto do morro. Mas um motoqueiro, próximo à bifurcação,
confirmou as instruções da Rosângela, a mulher do povoado. Toda a confusão
porque, de fato, havia outro caminho, pouco mais longo, passando pela balsa,
constatei depois. Quatro quilômetros de estrada em desuso, havia apenas o
rastro de uma motocicleta. Os murunduns dos formigueiros intactos em pleno
leito carroçável. E a inquietante sensação de trilhar um canto esquecido de
Deus e riscado do mapa do mundo.
Cheguei na
beira do Rio Grande, 50 metros, águas tranquilas, as instalações da fazenda do
outro lado, só dava pra ver as telhas. Vi a canoa amarrada à margem oposta, os
capins caindo por cima. Tive a sensação de estar integrando uma pintura a óleo
dessas vendidas por camelôs. Gritei o Miguel. Silêncio. Gritei uma, duas, três,
quatro vezes. Nada. Tou lascado, pensei. O pisoteio do gado indicava que eles
bebiam água ali. Lá pela sétima vez alguém respondeu: “Já vou”. Ufa! Miguel
acabara de chegar da cidade. Por pouco que não fico na mão. Veio impulsionando
a canoa com uma vara apoiada no fundo do rio. O lugar mais fundo batia na minha
cintura. Uma decepção, nada de remo, nada de fortes correntezas, nada de águas
profundas e misteriosas. Era só erguer um pouco a mochila e atravessar andando.
O canoeiro nem tinha cara de índio e aquela operação lhe parecia banal demais.
Deve ser por isso que a estrada do Google maps passa bonita por ali. Foi
naquele ponto que o Rio Grande perdeu sua invencibilidade, em meu imaginário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário