sexta-feira, 19 de junho de 2015

A travessia de canoa.

AZEITE: Santo Antônio do Porto.

A canoa do outro lado, na sombra.

Azeite é o apelido do povoado de Santo Antônio do Porto, distrito de Piedade do Rio Grande. É comum os povoados ou pequenas cidades terem dois nomes: o oficial e o popular. Cheguei, fui indo, uma senhora perguntou pra onde eu ia, falei, ela disse que eu estava errado, que eu devia voltar, era pra lá, assim, assim. O contrário, o oposto do meu mapinha, que memorizara, achando que a simplicidade do local não valia a pena sacá-lo da algibeira, o bolso, no caso. O meu precário mapa, rabiscado por mim, olhando a tela do Google.

Mais abaixo um grupo de três mulheres e um homem tentou me ajudar. “Para onde o senhor quer ir?”.  “Pra Santana”. “Xiii! É muito longe.”, falou uma secundária senhora, pois minha interlocutora era outra. Pronto, vai começar a ladainha de que 14 Km é uma eternidade, pensei. Porque uma coisa concreta que o andarilho aprende é que as distâncias são relativas. Então perguntei: “São quantos quilômetros?”. E ela: “mais de 60”. Ela está louca, pensei. Mas em seguida a louca consertou tudo e se  lembrou de que havia um atalho. “Você vai ali por cima, pela estradinha, chega no rio, logo vê a fazenda do outro lado, chama o Miguel, ele vem te buscar de canoa”, e já foi me levando pra mostrar a saída. Então saquei o meu mapa e constatei que a sugestão da mulher era a mesma do Google. (mas o Google ia me pagar, se estivesse me levando para uma incerta travessia de canoa...)

Toda essa solicitude da mulher foi depois que ela concluiu, por conta própria lá dela, que eu pagava promessa. É que ela havia sugerido que o seu marido, o homem presente, me levasse de moto. Eu recusara, ela então compenetrada concluíra pra todos ouvirem que eu pagava promessa. Não há melhor maneira de estabelecer firme empatia com a população local que informá-la de que vamos a pé para cumprir uma promessa.

A estrada, que já era pouco usada, derivava para uma completamente esquecida, um quilômetro adiante, no alto do morro. Mas um motoqueiro, próximo à bifurcação, confirmou as instruções da Rosângela, a mulher do povoado. Toda a confusão porque, de fato, havia outro caminho, pouco mais longo, passando pela balsa, constatei depois. Quatro quilômetros de estrada em desuso, havia apenas o rastro de uma motocicleta. Os murunduns dos formigueiros intactos em pleno leito carroçável. E a inquietante sensação de trilhar um canto esquecido de Deus e riscado do mapa do mundo.


Cheguei na beira do Rio Grande, 50 metros, águas tranquilas, as instalações da fazenda do outro lado, só dava pra ver as telhas. Vi a canoa amarrada à margem oposta, os capins caindo por cima. Tive a sensação de estar integrando uma pintura a óleo dessas vendidas por camelôs. Gritei o Miguel. Silêncio. Gritei uma, duas, três, quatro vezes. Nada. Tou lascado, pensei. O pisoteio do gado indicava que eles bebiam água ali. Lá pela sétima vez alguém respondeu: “Já vou”. Ufa! Miguel acabara de chegar da cidade. Por pouco que não fico na mão. Veio impulsionando a canoa com uma vara apoiada no fundo do rio. O lugar mais fundo batia na minha cintura. Uma decepção, nada de remo, nada de fortes correntezas, nada de águas profundas e misteriosas. Era só erguer um pouco a mochila e atravessar andando. O canoeiro nem tinha cara de índio e aquela operação lhe parecia banal demais. Deve ser por isso que a estrada do Google maps passa bonita por ali. Foi naquele ponto que o Rio Grande perdeu sua invencibilidade, em meu imaginário. 

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