MORTES NA
ESTRADA: CRUZES.
Capela e cruz, pequenas e pobres, homenageiam alguém que morreu ali naquele ponto da estrada. |
Na viagem
vejo muitas cruzes fincadas ao lado do caminho. Nelas escrito o nome do finado
e as datas de nascimento e morte. Até hoje nunca vi o nome de uma mulher. E
olha que leio todos. Por que as mulheres não morrem à beira da estrada?(a
primeira cruz que vejo, no dia seguinte, após pensar isto, vou ler o nome,
Francisc...Francisca!). Só não faço o
sinal da cruz porque não sou populista. E me mata a curiosidade de saber os
detalhes da tragédia. Todos pensam num
acidente ou atropelamento. Os mais antigos lembram os assassinatos nas
tocaias. Ninguém aventa a hipótese de um ataque cardíaco ou cerebral. Seria
broxante morrer do coração à beira da estrada. E se o finado caiu do cavalo,
quebrou o pescoço? Ou morreu de canseira? Deitou pra descansar, dormiu, não
acordou mais... Mas e se fosse o ataque
de uma onça? Uma cobra? Uma abelha! Foi! No Caminho da Fé, perto de Consolação,
um peregrino morreu de picada de abelha. Tinha alergia, morreu. Três ou quatro
abelhas, morreu ali, sem socorro. E tenho pena dos mortos cujas cruzes estão
capengas abandonadas. A família se muda para longe, a cruz fica descuidada. Há
cruzes que, de tão desamparadas, despertam a comiseração da população vizinha
e, sem explicação, põem-se a inspirar feitos e curas inexplicáveis. Seus
titulares galgam o imaginário coletivo e triunfam sobre o ostracismo familiar. Mas
esse hábito de cultivar os mortos está entranhado em nós. Me emocionou o
epitáfio numa cruzinha perto de Liberdade, de alguém que morreu com 28 anos, em
2006: “Se perguntarem por mim, diga que fui morar na casa do pai”.
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