Rio das Canoas, entre Franca, SP, e Claraval, MG. É a divisa entre SP e MG. |
VIAGEM À NASCENTE DO RIO GRANDE
ÍNDICE
1-
INTRODUÇÃO, 2
2-
SUJEITO E OBJETO,
3
3-
RESUMO, 3
4-
FRANCA, 5
5-
BAIANOS COLHEM
CAFÉ EM IBIRACI, 6
6-
EM IBIRACI, TODO
MUNDO É NÉRSO, 6
7-
AO SUL DO RIO
GRANDE, TODO MUNDO É PAULISTA, 7
8-
A ALIMENTAÇÃO
TÍPICA DO ANDARILHO, 7
9-
O MEU RIO GRANDE,
8
10-
AS MISÉRIAS DOS
HOTÉIS BARATOS, 8
11-
O PROBLEMA DA
HOSPEDAGEM DO ANDARILHO, 9
12-
ESTRADAS EM TERRA
OU ASFALTADAS?, 10
13-
AS ESTRADAS
VICINAIS, 10
14-
MATA-MOTO, 11
15-
SORTE,
COINCIDÊNCIAS E OUTROS EVENTOS ALEATÓRIOS, 12
16-
CACHORROS, 12
17-
FILHOTE ABANDONADO
(CACHORRO SEM DONO), 13
18-
GUAPÉ, 14
19-
MUNDO VÉIO SEM
TRANCA, 15
20-
ROMPENDO CHÃO, 15
21-
MORTES NA ESTRADA:
CRUZES, 16
22-
EROSÃO, TERRAÇOS E
PLANTIO EM NÍVEL, 16
23-
A SANTA MISSA
DOMINGUEIRA, 17
24-
OS BADALOS DE
CARRANCAS, 17
25-
FAZENDA ABANDONADA,
17
26-
A ARTE DE PESCAR
CARONA, 19
27-
PIEDADE AO PÃO DE
PIEDADE, 20
28-
ZÉ MANOEL DE
SANTANA, 20
29-
AZEITE. A
TRAVESSIA DE CANOA, 21
30-
CASCATA &
SERIEMA: O SOM DAS ESTRADAS DO SUL DE MINAS, 22
31-
SOUSA, 22
32-
MINEIRA DO SUL DE
MINAS, 23
33-
UMA FERROVIA DO
IMPÉRIO. INACABADA, 25
34-
A FERROVIA QUE
TRANSPORTA MINAS PARA O JAPÃO, 25
35-
O DESTINO DE RIOS
E HOMENS, 26
36-
MADEIRA EM BOM
JARDIM, 26
37-
LIBERDADE, MG, 27
38-
LARANJA MADURA NA
BEIRA DA ESTRADA, 28
39-
FOTOGRAFIA, 28
40-
VAI LÁ UM
ANDARILHO, 28
41-
O RIO GRANDE, 29
42-
ANGU &
CANJIQUINHA, 30
43-
O RIO QUE INVERTEU
SEU CURSO: PIUMHI, 31
44-
ASSOMBRAÇÃO, 31
45-
FOZES E NASCENTES,
32
46-
TALVEGUE. A
PALAVRA-CHAVE PARA SE CHEGAR À NASCENTE DE UM RIO, 33
47-
AFINAL, A NASCENTE
DO RIO GRANDE, 35.
1 - INTRODUÇÃO.
Os assuntos e as palavras estão por toda
parte. Nós e o alfabeto é que somos limitados. Mas enquanto o alfabeto permite
uma infinidade de palavras, nós vivemos a martelar sobre o mesmo assunto. Uns
só falam de futebol, outros de religião. Alguns só pensam em corrida e outros
só em política partidária. É um que só fala da empresa em que trabalha, é outro
que vive para a literatura, e um outro cuja vida consiste em juntar dinheiro. E
há aqueles vários que só falam e escrevem abobrinha e abusam da arte de cortar
e colar. Mas há um tipo especial. É aquele que pensa muito e ricamente, mas
guarda tudo pra si. Nas redes sociais, quando ele está, é só pra acompanhar os
amigos e desejar feliz aniversário. Esse é o que mais me preocupa. É alta a
probabilidade de estourar-lhe uma artéria vital precocemente.
E Deus e o Diabo também estão por toda
parte. Em nosso corpo. Com nossa complexa combinação de hormônios e enzimas a
regular nervos e músculos e tendões e cartilagens. E tecidos esponjosos... E
ossos que se vão descalcificando. E articulações que vão perdendo a graxa. E
banhas. E em nossa mente. Em saudades insatisfeitas. Em remorsos insepultos. Em
projetos abandonados. Em mágoas e frustrações. O Diabo nos ataca nos silêncios
de alta noite, quando nos lembra da linearidade dos tempos a impossibilitar
qualquer retorno, qualquer conserto. Quando a grandiosidade do cosmo cai sobre
nós e nos conscientiza momentaneamente da nossa pequenez. E então bate o
desespero.
Mas o corpo e a mente podem se comunicar
com a natureza e cultivar o campo agreste em que vivemos. Mitigar dores e
desesperanças. O corpo e a mente e a natureza estão por toda parte, nas
estradas vicinais de Minas, no ar tropical e úmido de beira rio do sul de Minas
Gerais. E assuntos, aguardando garimpeiros, nas extensas margens do Rio Grande.
2 - SUJEITO E OBJETO.
O Rio Grande banha a aldeia em que
nasci, lá no norte do Estado de São Paulo. Guaraci. Depois escrevo mais sobre
esse rio. Por enquanto, lembro isso apenas para justificar meu roteiro de
viagem. Seguir rio abaixo ou seguir rio acima? Seguir o rio. Mas 1360 Km era
muito para o tamanho da minha necessidade. Porque é isso que tem da sua
nascente até seu encontro com o Rio Paranaíba, pra formar o Rio Paraná, lá no
vértice dos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Metade
disso era o suficiente para meu gasto.
Foi assim que, em 19 de maio de 2015,
embarquei num ônibus no Terminal Rodoviário do Tietê e desci em Franca por
volta do meio dia. Extremo nordeste do estado de S.Paulo, próximo ao ponto em
que o rio passa a constituir a divisa com Minas, resolvi subir. Poderia descer,
mas resolvi subir. Território menos explorado por empresas agrícolas, por causa
do relevo mais acidentado. Menos e menores cidades. Fauna e flora menos
dilapidadas. E menos represas. Mais água corrente, mais rio de verdade. Porque
o rio, em seu médio e baixo curso, é uma sucessão de lagos artificiais
promovidos por barragens construídas por Furnas, CEMIG, CESP... para geração de
hidreletricidade. Boa parte da energia elétrica consumida no sudeste vem das
águas do Rio Grande. E tenho tendências radicais. Preocupa-me o âmago das
coisas. Por isso, nada mais lógico que ir à nascente do rio.
Sem um propósito, ninguém sai do lugar.
Não creio na existência do flâneur. Quem sai por aí sem destino é porque não
tem outra alternativa e quase sempre está mentalmente debilitado. Um cidadão
comum carece de um destino. Um sujeito precisa de um objeto. Não tem nada mais
sem graça do que um verbo intransitivo. Alguns caminham com o objetivo de
chegar a Santiago de Compostela, outros de chegar a Meca. No Brasil, muitos
caminham para chegar a Aparecida do Norte, ao Bom Jesus de Pirapora, ao
Juazeiro do Padre Cícero. Há quem caminhe para chegar ao Pico da Bandeira ou ao
ponto mais alto da Mantiqueira. Há quem dê dez voltas no quarteirão, quem
caminhe uma hora no parque. Por duas semanas, caminhei em direção à nascente do
Rio Grande. Para mim, era um destino suficiente. Mas, para os apressados, vamos
ao resumo da viagem. Em seguida, virão as crônicas inspiradas por locais ou
pessoas ou situações vividas durante o caminho.
3 - RESUMO.
Em 19 de maio de 2015, embarquei num
ônibus no Terminal Rodoviário do Tietê às 6h da manhã e desembarquei em Franca
SP ao meio dia. Almocei num Quilo e iniciei a caminhada em direção a Claraval
MG, a 16 Km. Atravessei o Rio das Canoas, que divide SP e MG e caminhei mais
6Km em direção a Ibiraci MG. Escureceu, armei a barraca num cafezal. Nesse dia
caminhei 22 Km, sendo 16 em asfalto e 6 em terra.
Em 20.05.15, desarmei a barraca com
chuva fraca, ainda escuro. Caminhei quase 1h antes de clarear, usando a lanterna.
Peguei uma bifurcação errada e fui dar num curral, próximo à cumeeira da serra.
Voltei, larguei meu mapa e liguei meu instinto e, 8Km depois, encontrei o
caminho. Cheguei a Ibiraci por volta das 13h. Almocei um PF e peguei um ônibus
para Passos, passando por Cássia, Pratápolis e Itaú de Minas. Em Passos, me
hospedei num hotel barato, próximo ao centro. Andei 36 Km em estradas de terra.
Em 21 de maio, caminhei de Passos ao
trevo de Furnas, na MG-050, passando por São João Batista do Gloria e
atravessando pela primeira vez o Rio Grande em enorme ponte. Caminhei 43 Km
nesse dia, sendo 23 em rodovias asfaltadas e 20 em estrada de terra. Acabei de
chegar a Capitólio de ônibus, onde me hospedei num hotel simples na zona
urbana.
No dia 22 de maio, andei 32 Km de
Capitólio a Guapé, sendo 10 Km em asfalto. Atravessei o lago de Furnas em
balsa. Em Guapé, peguei uma carona até Ilicínea, onde embarquei num ônibus até
Boa Esperança. Dormi num hotelzinho ao lado da
rodoviária.
Em 23 de maio, andei 40Km entre Boa Esperança
e Nepomuceno, passando por Coqueiral, Frei Eutáquio e Trumbuca, sendo 5Km em
rodovia. De Nepomuceno a Lavras fui de ônibus. Fiquei num hotel simples no
centro.
Em 24 de maio, fui de Lavras até a ponte do Rio Grande, em
Itutinga, de ônibus. Na ponte, iniciei a caminhada, passando por Itutinga e
indo até Carrancas, por estrada asfaltada. 30 Km. Em Carrancas, dormi numa
pousada simples no centro.
No dia 25, fui em direção a São Vicente
de Minas. Após andar 20Km, um motorista ofereceu carona e eu aceitei, até uma
fazenda próxima. Retomei a caminhada. Após 7Km, outro motorista parou e
ofereceu carona até S.Vicente. Aceitei. Cheguei ao destino ao meio dia, após
caminhar 27Km. Dali a Madre de Deus de Minas também fui de carona e, novamente
de carona(sendo estas duas últimas pedidas), cheguei a Piedade do Rio Grande,
onde o rio vira para sudoeste. Ali dormi num hotel urbano.
Em 26 de maio, caminhei de Piedade a
Santana do Garambéu, passando por Santo Antônio do Porto. Nesse dia, andei 26Km, passando por 4Km de estrada abandonada
e atravessando o Rio Grande de canoa. Dormi num hotel em Santana.
Em 27 de maio, andei 50 Km, de Santana a
Bom Jardim de Minas, passando pelo povoado de Souza do Rio Grande. Os últimos
10Km do percurso, fui de carona, oferecida espontaneamente. Nesse dia, andei
perdido por 4Km.
Em 28 de maio, fui de Bom Jardim a
Liberdade. Andei 22 Km e me hospedei no Hotel Central.
Em 29 de maio, fui de Liberdade ao
distrito de Santo Antônio do Rio Grande, sem passar pela zona urbana de Bocaina
de Minas. Andei 32 Km, sendo 18 em asfalto. Em Santo Antônio, me hospedei numa
pousada simples no povoado.
Finalmente, no dia 30, subi a montanha
até a nascente do Rio Grande. Caminhei 20Km pela estrada paralela ao rio,
saindo de 1200m de altitude e chegando a 1600, no começo da estradinha-trilha.
Daí até o alto do Mirantão, a 2200m de altitude, gastei 2,5h. Na parte mais
alta, a trilha bem batida não é de gente, mas de gado, o que faz grande
diferença para o explorador (a lógica do gado é outra). Passei a noite acampado
num gramado a 2000m de altitude, ao lado da grota funda e densamente florestada
onde começa o rio.
No dia 31 de maio, desmontei o
acampamento e desci a montanha embaixo de chuva fina. A meio do caminho para
Santo Antônio, peguei um atalho para o distrito de Mirantão, passando por um
trecho de 2Km de trilha nesse percurso. Após caminhar 25Km no dia, cheguei ao
povoado, onde me hospedei numa pousada simples.
No dia 1º de junho, saí do povoado de
Mirantão às 11h, de carona no ônibus escolar que leva os estudantes para
Visconde de Mauá, distrito de Resende, RJ. Em Mauá, peguei um ônibus para
Resende, onde peguei outro para São Paulo. Cheguei às 19horas. Nenhum problema,
nenhuma lesão adquirida no período. Nem os lábios rachados ou doloridos, que
costumam ocorrer nessas caminhadas. Acho que por causa do ar úmido de beira
rio.
Totalizando: 405 Km de caminhada, a uma
média de 31Km por dia. Destes, 303Km foram em estradas vicinais de terra. Dos
102 Km andados em asfalto, metade era de estradas locais, pouco movimentadas.
Uma distância equivalente à caminhada devo ter viajado de carona ou de ônibus.
4 - FRANCA.
Franca é uma cidade grande, que me
lembrava fábrica de calçados e time de basquete. Porque lá sempre teve um dos
melhores times de basquete do país e há muitas fábricas de calçados. Era hora
do almoço, comecei a procurar, ao mesmo tempo, a saída para Claraval –
município vizinho do outro lado da divisa com Minas – e um lugar para almoçar.
Comércio moderno e variado, a toda hora
apresentava-se a mim um restaurante por quilo, na Av. Presidente Vargas. Não
tem nada mais simpático a um viajante, numa cidade estranha, do que encontrar o
que precisa. Eu precisava comer e podia escolher as diversas opções que se
apresentavam. Almocei. O som ambiente do local era música caipira. Em Franca, e
nas diversas cidades que vim a conhecer em seguida, o trabalhador, em sua hora
de almoço, come ouvindo música caipira.
No sul de Minas e no norte de São Paulo a música caipira está em toda
parte. Segui pela avenida, que seu prolongamento era a rodovia que atravessava
o Rio das
Canoas, divisa entre os estados, para chegar a Claraval. Não sem antes me completar de outro item fundamental: um chapéu. Um armazém de insumos agrícolas, ferragens, louças, etc. E chapéus de palha de vários formatos e preços. Tudo que precisava do comércio local, após me alimentar. Um chapéu de palha de folha dupla dos bão, que me protegeu do sol durante toda a viagem. Com tamanho oportunismo, só podia me parecer simpática a cidade. E, ainda, uma ciclovia vermelha enfeitava a avenida.
Canoas, divisa entre os estados, para chegar a Claraval. Não sem antes me completar de outro item fundamental: um chapéu. Um armazém de insumos agrícolas, ferragens, louças, etc. E chapéus de palha de vários formatos e preços. Tudo que precisava do comércio local, após me alimentar. Um chapéu de palha de folha dupla dos bão, que me protegeu do sol durante toda a viagem. Com tamanho oportunismo, só podia me parecer simpática a cidade. E, ainda, uma ciclovia vermelha enfeitava a avenida.
5 - BAIANOS COLHEM CAFÉ EM IBIRACI.
Por isso não achei vaga no hotel barato
da cidade. Eles vêm, ficam de maio a setembro, trabalham na colheita do café,
depois acaba o serviço. Aí são obrigados a voltar pra Bahia. Retornam ano
seguinte. Alguns ficam presos ao fazendeiro, por dívidas, e têm de trabalhar a
safra inteira na mesma fazenda, não podem procurar quem paga mais. Muitos moram
em casas antes abandonadas, precárias. Ganham
por tarefa. Por isso trabalham como loucos. Têm de ganhar em 4 meses o
que comem em doze. R$8,00 por balaio de 70 litros de café colhido. Escravos.
Estendem um pano sob o pé de café e com as mãos ou varas, derrubam sobre ele os
grãos. Recolhem o pano, retiram as impurezas como folhas e galhos secos, e despejam
num saco de estopa ou algodão os grãos limpos. Ao final do dia, o fazendeiro
passa com a carreta e o balaio, para
recolher o produto e medir a produtividade de cada trabalhador. Os sacos são
despejados nos balaios e deles para dentro da carreta graneleira.
A maior parte da produção é colhida por
máquinas. Os trabalhadores são necessários apenas para colher nos pés onde a
colhedeira não pode ir, como aqueles plantados em terrenos muito íngremes, nas
encostas dos morros, ou onde não há espaço de manobra.
Os grãos que caem antes da colheita são
colhidos pela chamada barreção (do verbo “barrer”, aquilo que se faz com a
bassoura, seu Vurro!). No café, ou se faz com o rastelo e a peneira ou com
máquinas. Há uma máquina que vai assoprando os grãos para o meio da rua e outra
que vai sugando.
Ibiraci, a 800m de altitude em planaltos
ondulados de terra massapé, entremeados de pirambeiras e algumas serras, é terra
boa pra café. Mas no boteco, ele é amarelo de fraco.